Luciana Ayer | O futuro do corpo
por Fernanda Bellei
"O que é ter saúde no mundo contemporâneo?" – Esta frase deu nome e tom à palestra que a nutricionista Luciana Ayer realizou no dia 2 de outubro de 2008, na CPFL Cultura em Campinas. Derrubando inúmeros mitos sobre alimentação e sobre os nossos cuidados com o corpo, Luciana mostrou que levar uma vida saudável é mais simples do que se pensa – de fato, é abandonar o industrializado pelo natural, o complicado pelo simples. Veja mais detalhes em entrevista concedida à CPFL Cultura.
É mais difícil ter saúde no mundo contemporâneo do que era no passado?
Eu acho que sob um aspecto sim. Por um lado, a gente tinha problemas que não temos mais hoje. As pessoas morriam mais cedo porque não tinham acesso à higiene e a cuidados médicos, hoje isso praticamente não existe, mas a gente está se intoxicando muito com excesso de substâncias químicas na alimentação e excesso de remédios. Hoje ninguém espera o tempo de a gripe se curar com um chá, um suco e repouso, pois precisamos ficar bem logo para voltar a trabalhar, então tomamos muitos remédios. Isso faz com que a gente fique cada vez mais inflamado e demandando mais remédios. Então não acho que estamos mais saudáveis, embora ganhamos mais tempo de vida.
Se, com todos os benefícios que temos hoje, nós tivéssemos também uma alimentação mais saudável, será que poderíamos viver mais ainda?
Acho que poderíamos viver melhor. Na verdade não depende só da alimentação, não é? Claro que a alimentação é a minha praia e eu enfoco muito isso, mas eu vejo também que as pessoas não dormem mais direito, não fazem exercícios, ou, se fazem, elas exageram, pegam no pesado, com aquela obsessão de recuperar o que perdeu, as pessoas não se espiritualizam mais, não se olham mais, não se cuidam umas às outras… Então eu acho que tudo isso, associado a uma alimentação tóxica como temos hoje, é o que faz com que a gente não esteja vivendo bem. Eu acho que a questão não é viver mais, e sim: como estamos vivendo? Às vezes eu recebo pessoas muito jovens, se queixando de coisas como fadiga, inflamação de repetição… Enfim, com coisas que você não acredita que estejam acontecendo com uma pessoa de 25 anos.
E quais são os outros pontos que devemos adaptar para viver a vida com mais qualidade?
São esses pilares de sustentação. Podemos falar da nutrição, onde temos a nutrição física, que é a alimentação, e a respiração. A qualidade de nosso sono, porque é nesse período que a gente ‘varre’ as substâncias tóxicas do cérebro, depois de um dia de produção. Precisamos do sono para eliminar os radicais livres e toxinas do cérebro. Também precisamos nos mexer um pouquinho, fazer exercícios de preferência em contato com o Sol. Hoje temos, por exemplo, uma altíssima incidência de baixa vitamina D, porque as pessoas não pegam mais Sol, e a vitamina D tem uma relação direta com a sustentação da massa óssea. Então, se a gente faz exercícios ao Sol, estamos fazendo as duas coisas: a manutenção óssea, associada à vida, porque a vitamina D não só fixa o cálcio nos ossos como também ajuda na prevenção de doenças neurológicas, câncer etc. Então, são quatro pontos: nutrição, sono, exercícios e aquela quarta vertente que é a ‘psíquica, emocional e espiritual’, da qual a gente se esqueceu no meio do caminho. Precisamos cuidar dos pensamentos, já que os pensamentos geram emoções, e essas podem gerar doenças, quando são negativas. Já está comprovado que os pensamentos são capazes de modular as nossas células.
Você acha que as pessoas estão começando a entender que a saúde delas depende de uma atenção a todas essas coisas?
Eu acho que sim, porque por mais que a gente tenha vivido por tantos anos nessa contramão, tomando muitos remédios, sem procurar tempo para cuidar da alimentação, ou para fazer uma fisioterapia… As pessoas estão entendendo que essa atitude não é eficaz, então elas começam a buscar alternativas. Tão importante quanto sabermos o que comer é saber o que não comer. Esse é o grande ponto nevrálgico hoje. Nós estamos comendo muita coisa tóxica… E o que é comer bem, afinal? Na verdade todo mundo sabe que temos que aumentar frutas e vegetais, teoricamente as pessoas não precisariam de um profissional para dizer isso. O problema é que as pessoas estão confusas, pois a indústria faz isso com a gente, o governo faz isso com a gente… Elas estão confundindo o que é alimento, estão comendo coisas sintéticas no lugar de comida. Por exemplo: você diz a um idoso que ele não pode jantar, ele precisa comer um pão light, com uma fatia de blanquet light, com uma sopa pronta, porque tem baixa caloria… Mas você não deu a ele um ovo, feijão, ele não comeu comida, apenas um monte de produtos sintéticos.
Esse consumo de alimentos industrializados, ou ‘sintéticos’, como você diz, é um resultado de uma demanda da população por comida rápida ou ele começou a partir de uma pressão da indústria?
Eu acho que são as duas coisas, uma alimenta a outra. A indústria faz aquilo que ela está percebendo que é uma demanda, então, sem dúvida nenhuma que no mundo atual, o prático o rápido e objetivo é o que determina aquilo que você vai comprar. Em contrapartida, eu acho que existe uma certa falta de bom senso das pessoas, porque a gente está comendo coisas que não são comida. A indústria vende a idéia de que uma sopinha em pacote, por exemplo, é comida, mas não é! É um monte de coisas sintéticas… Ela pode até ter um ingrediente alimentar ali, mas no final das contas é um conjunto de glutamato monossódico e conservantes, que fazem que tudo fique relativamente palatável para você consumir, com a idéia de que aquilo substitui uma refeição.
É verdade que a dieta vegetariana não contém todos os nutrientes que precisamos para viver com saúde?
Depende do tipo de vegetarianismo de que estamos falando, pois existem três vertentes: o ovo-lacto, que consome ovos e laticínios; o lacto, que só consome laticínios e o vegan, que não come absolutamente nada de origem animal. Com o ovo lacto e o lacto, nós não teríamos grandes preocupações nutricionais, mas com o vegan, temos que ficar atentos com a vitamina B-12, que tende a ser deficiente nesses indivíduos, pois a vitamina B-12 em grande parte vem dos alimentos de origem animal. Mas é curioso, porque eu costumo solicitar vitamina B-12 nos exames dos meus pacientes, e eu tenho visto deficiência de B-12 em gente que come carne todo dia. E sabe porque isso acontece? Porque, para ser absorvida, a vitamina B-12 precisa de uma proteína chamada fator intrínseco, que é fabricada pelo estômago. Essa proteína envolve a vitamina B-12 e elas chegam junto ao intestino para que a vitamina seja absorvida. Essas pessoas que não produzem o fator intrínseco, geralmente são pessoas que têm ulcera, gastrite ou usam remédios há muitos anos. Isto é, o importante é se alimentar e se cuidar bem.