lançamento do livro “corrupção: parceria degenerativa” (editora papirus 7 mares), de clóvis de barros filho e sérgio praça (íntegra)
gravado em 17 de setembro de 2014.
Antes do corrupto, o cidadão
Em debate sobre “Corrupção: Parceria Degenerativa”, Clóvis de Barros Filho e Sérgio Praça contestam lugares-comuns segundo os quais todo político é igual e que o sistema político está corrompido por natureza
Na entrada do parque de diversões, o pai mente sobre a idade do filho para não pagar o ingresso. Diz que o menino tem seis anos quando, na verdade, ele tem sete. O filho o corrige na frente dos seguranças e toma um “pescotapa” como punição. Acabara de aprender, pela agressão, que na vida o que importa é se dar bem.
O exemplo foi citado pelo professor de ética da USP Clóvis de Barros Filho durante o Café Filosófico CPFL Especial do lançamento do seu livro “Corrupção – Parceria Degenerativa”, escrito em parceria com o cientista político Sérgio Praça. A ideia era mostrar como o tema do livro – a corrupção – não é um fenômeno presente apenas nas esferas políticas.
“Nas sociedades eticamente desenvolvidas, as crianças aprendem que os desejos que atentam contra a convivência social devem ser abortados. Quando o pai não quer pagar ingresso no parque para o filho e o pune por dizer a idade real, ele ensina que o importante na vida não é ser honesto, mas levar vantagem”, afirmou Barros Filho.
Segundo ele, temos uma pífia formação moral, ausente nas escolas e nas famílias, onde as crianças aprendem a agir por meio de modelos agressivos. “Na escola falamos mais de organelas citoplasmáticas do que de cidadania. Por isso é difícil mudar o cidadão.”
“A corrupção é uma questão ética, antes de mais nada. E a ética pressupõe o triunfo das regras de convivência sobre os interesses particulares”, disse. “Acreditamos haver situações sociais que favorecem práticas de corrupção. Mas os agentes sempre terão a possibilidade de negar a prática.”
Coautor da obra, Praça questionou a ideia de que o sistema brasileiro é mais corrupto do que o de outros países. Para ele, o Brasil tem um arcabouço grande de instrumentos de combate à corrupção, e isso é um sinal de avanço. “O sistema será mais corrupto quanto menos aberto ao debate de ideias”.
O cientista político contestou a ideia de que corrupção esteja associada apenas ao pagamento de propina para obter vantagens nas esferas públicas. Há formas mais sutis de operação. “Quanto mais empresas financiam políticos, mais contratos elas têm. Só que um banco não doa R$ 12 milhões para candidatos para conseguir contratos. Mas para que o mundo permaneça o mesmo”, disse. “Hoje quem está excluído do debate público? Os beneficiados, por exemplo, de uma legislação anti-bancos.”
Esse sistema de influência por meio do poder econômico, no entanto, não é uma exclusividade brasileira, lembrou o especialista. “Nesse sentido, é possível definir os EUA como um país corrupto.”
O problema do Brasil, afirmou, é que as campanhas são muito caras, e isso torna difícil a fiscalização.
Os autores criticaram a ideia comum dos eleitores de que o sistema político esteja corrompido e que os candidatos são todos iguais. “A ideia de que todo mundo vai roubar mesmo, então é melhor votar por simpatia, ainda é comum no Brasil”, disse Praça. Segundo ele, a afirmação de que os governos Lula e FHC foram semelhantes, por exemplo, é equivocada. “Havia diferenças ideológicas.”
Eles analisaram ainda o impacto do tema “corrupção” na agenda eleitoral. Segundo Praça, há muitos fatores que influenciam o voto na hora da eleição, e a questão ética é um deles. Nem sempre é capaz de provocar mudanças no cenário eleitoral, mas as mudanças podem ser perceptíveis a longo prazo. “Os anões do Orçamento e os sanguessugas não se reelegeram”, lembrou.
Para Clóvis de Barros Filho, o problema é que no Brasil a manutenção do poder nas mãos dos mesmos grupos é consagrada pela discrepância do poderio econômico entre os partidos. “A corrupção não faz cócegas (no debate eleitoral) porque há uma desproporção dos meios de visibilidade das candidaturas alternativas. A parte dominante é tão consolidada que a novidade (no noticiário sobre corrupção), para mudar o cenário, precisaria pôr fim ao País.”
Ele afirmou, no entanto, que a sociedade hoje está mais preocupada com o tema. “Nossas instituições, como a imprensa, estão mais atentas. E o Judiciário é mais independente.”
café filosófico especial | lançamento do livro “corrupção: parceria degenerativa” (editora papirus 7 mares), de clóvis de barros filho (professor de ética da usp) e sérgio praça (doutor em ciências políticas), com bate-papo entre os autores.
os autores propõem um debate, fundamentado na filosofia e na ciência política, sobre os diversos aspectos que envolvem a corrupção e seus efeitos.
o ato corrupto é, por definição, fruto de uma parceria. em que medida esse ato tem efeitos negativos? é possível encontrar efeitos positivos da corrupção?
clóvis de barros filho é doutor em direito pela universidade de paris e em comunicação pela universidade de são paulo. professor livre-docente de ética da eca/usp é também consultor de ética da unesco e colunista e conferencista do espaço ética. autor de diversos livros como “a vida que vale a pena ser vivida”, “ética e comunicação organizacional”, “ética na comunicação”, entre outros.
sérgio praça é mestre e doutor em ciência política pela universidade de são paulo, com pós-doutorado pela fgv-sp. é professor de políticas públicas da universidade federal do abc. é autor de “corrupção e reforma orçamentária no brasil, 1987-2008” (ed. annablume, 2013), coautor de “partidos políticos: funcionam?” (ed. paulus, 2005) e co-organizador de “vinte anos de constituição” (ed. paulus, 2008). mantém o blog “estado & cia” na revista época negócios (http://colunas.revistaepocanegocios.globo.com/estadoecia/).