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patologias contemporâneas: ansiedade, pânico e compulsões, com fernanda pacheco-ferreira

A ansiedade e a pressão para ser normal

Segundo Pacheco-Ferreira, palestrante do Café Filosófico CPFL, a busca pela felicidade cria pressões sobre o indivíduo, inclusive para que ele fique em forma. “Se não ele se sente fora do jogo, e isso traz muita dor”

Felicidade, segundo a definição da Organização Mundial da Saúde, é o estado completo de bem estar social, físico e mental. Em uma época em que a lista de transtornos mentais se espalha por mais de 600 páginas dos manuais de psiquiatria, esse estado de completude soa com um ideal inalcançável no mundo contemporâneo. “É como se a ideia de normalidade tivesse encurtado com a ideia inatingível de felicidade suprema. Mesmo assim, há uma pressão para ser feliz”, afirmou a psicanalista Fernanda Pacheco-Ferreira durante o Café Filosófico CPFL (veja abaixo) sobre “Patologias Contemporâneas: Ansiedade, Pânico e Compulsões”.

A palestra fez parte do módulo “O Sofrimento humano nos tempos atuais”, sob curadoria da psicanalista e professora da UFRJ Regina Herzog. Segundo Pacheco-Ferreira, a busca pela felicidade cria pressões o tempo todo sobre o indivíduo, inclusive para que ele fique em forma a partir de exercícios e boa alimentação. “Se não eu me sinto fora desse jogo, e isso traz muita dor.”

De acordo com a especialista, diante dessa pressão tornou-se comum a busca por uma nomenclatura para descobrir a causa de um mal-estar. “Hoje em dia as pessoas se apresentam dessa forma: ‘oi, eu sou bipolar. Minha amiga tem TOC e a fulana, TAG’. As pessoas se autodiagnosticam em listas de revistas ou na internet. É como se a descoberta de uma causa exterior para um mal fosse mais tranquilizador. Este ‘eu sou’ confere um status de identidade”.

Essa reação ao sofrimento faz com que muitos pacientes busquem ajuda sem dar tempo adequado para absorver dores como a do luto. “Não dá para lidar com a perda de um ente querido em duas semanas”. Segundo a palestrante, muitos buscam tratamento em duas semanas porque consideram a dor da perda, natural para essa situação, como um sintoma depressivo. “Luto envolve introspecção e recolhimento”, disse.

Em sua fala, Pacheco-Ferreira analisou os motivos que levam aos transtornos alimentares, de medicamentos, produtos ilícitos e compulsão por sexo – patologias de ato que, segundo a psiquiatria, não passam pela mediação de palavra. “Esses anos não têm um processo de simbolização, e isso se condensa na ação. Na ausência do pensamento, o compulsivo vai direto ao ato. São atos destituídos de representação e de elaboração psíquica.” E explicou, a partir do filme Shame, sobre um personagem viciado em sexo: “Essa compulsão de comer, jogar, beber, não se faz por desejo ou prazer. É uma outra ordem. No caso desse personagem, a impressão é a de que ele está tomado por um vazio do que ele é, e não em busca de satisfação.”

Para Pacheco-Ferreira, no entanto, é difícil mensurar se as pessoas hoje estão mais depressivas do que em outros períodos. O que aumentou, diz ela, é a procura e a prescrição de medicamentos antidepressivos e o número de artigos científicos e na mídia em geral relacionados ao tema. Em um período como este, a simples presença de um antidepressivo dentro da bolsa, relatou, serve como uma forma de combater a angústia dos tempos atuais. “Só de ter algo em mãos já baixa a ansiedade. Isso tem a ver com o desamparo. Com se medicamentos como o Rivotril servisse como um suporte de ter alguma coisa.”

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patologias contemporâneas: ansiedade, pânico e compulsões

com fernanda pacheco-ferreira, psicanalista e doutora em psicologia clínica

a psicanalista fernanda pacheco-ferreira vai abordar o campo da clínica nos transtornos de ansiedade, pânico, fobia e compulsões. tais fenômenos tornaram-se tão frequentes a ponto de serem tomados como uma espécie de marca registrada da contemporaneidade. em comum, essas expressões sintomáticas carregam a questão do ato, sendo agrupadas em torno de uma categoria recentemente nomeada de patologias do ato. o objetivo dessa palestra é mostrar a especificidade da expressão do sofrimento psíquico na atualidade através das figuras do ato e de seu avesso, a inibição.

Gravado em 30 de maio de 2014