Os fantasmas da perfeição
Vivemos em tempos de crise. A humanidade é uma espécie, como todas, adaptada a um meio ambiente quase sempre hostil: sofrimentos, violência, morte. Habitamos, entretanto, um tipo de meio ambiente distinto das demais espécies: o espaço interior, a alma, a mente, o espírito. Vivemos expectativas, fracassos, inquietações, e a consciência da dor. Os últimos séculos estabeleceram formas novas desses velhos dramas: sonhos políticos, técnicos, científicos, psicológicos e morais, todos marcados pela tentativa de interromper um destino infeliz aparentemente inexorável. Por isso, a crise atual tem marcas específicas: uma delas é sua relação direta com os processos utópicos modernos.
Vídeos das palestras de São Paulo
Utopia na personalidade: crise e superação da neurose da felicidade perfeita – Ricardo Goldenberg
A Clínica do Trágico – Luiz Felipe Pondé
Utopia do amor perfeito – Caterina Koltai
A utopia da melhor idade – Leandro Karnal
Vídeos das palestras de Campinas
A Clínica do Trágico – Luiz Felipe Pondé
A utopia do autoconhecimento, com Ricardo Goldenberg
Utopia da eterna juventude, com Marcelo Coelho
Matérias sobre o módulo
Pondé fala sobre o trágico no Café Filosófico CPFL em São Paulo
Filósofo Luiz Felipe Pondé inicia série sobre utopias em São Paulo
Psicanalista encerra módulo com participação do público
Marcelo Coelho traz otimismo na busca pela eterna juventude
Luiz Felipe Pondé abre módulo abordando o trágico na vida
Luiz Felipe Pondé é o curador do Café Filosófico CPFL de Campinas em junho
Quando falamos em utopias pensamos imediatamente nos grandes modelos políticos criados a partir da obra de Jean Jacques Rousseau (século 18): revolução social, política e econômica. Todavia, a ideia de utopia é mais antiga e remonta aos renascentistas e à filosofia humanista: o homem é dono de sua vida e pode fazer com ela o que quiser. O sonho da vida perfeita, desde então, virou um fantasma: para chegar à felicidade, basta descobrir as fórmulas. Será? Pode o homem tornar-se perfeito? Tem ele a capacidade de construir um projeto perfeito de futuro? Sua natureza detém os recursos necessários para realizar este projeto? Pode o homem tornar-se pleno? Neste cenário, a modernidade tornou-se o grande produto dos processos utópicos: economia científica, políticas da liberdade e da justiça social, autonomia dos sujeitos.
Normalmente identificamos a “morte das utopias” como a queda do muro de Berlim em 1989: a morte da justiça social plena. Em 2008, outra imagem surgirá no cenário mundial como exemplo de “morte das utopias”: a crise da sociedade baseada no consumo e no mercado como fim de uma história que teria encontrado seu modelo último de aperfeiçoamento no capitalismo pleno.
Mas as utopias só não construíram fantasmas coletivos. Outros fantasmas, com nomes próprios, vieram à noite visitar os sonhos e pesadelos dos indivíduos em suas pequenas vidas comuns. E o que faz o indivíduo sozinho, à noite, no seu quarto, diante desses fantasmas? Para além dos grandes processos políticos e sociais, o que significou, em nosso cotidiano, vivermos sob a tutela de um projeto de perfeição? Como cada um de nós, na solidão da vida e de suas pequenas decisões que formam a malha quase invisível em que respiramos, viveu esta obsessão pela vida perfeita?
Utopias da personalidade, da sexualidade, do amor, da liberdade, do conhecimento, varreram nossas vidas. Talvez a cura passe pelo enfrentamento da imperfeição e do conflito como universo último da vida. Seríamos, afinal, uma pequena alma que sabe mais do que deve, mas nunca tudo o que precisa? Enfim, teríamos diante de nós o risco de sermos um ser sem sentido último e sem certezas? Seria esta uma forma mais livre de viver? A imperfeição como horizonte?