Café Filosófico

café filosófico | diversidade humana, com benilton bezerra jr.

O Brasil vive hoje um momento marcado por angústias e depressões. O tom e a agressividade do debate público têm derrubado a ideia de que o brasileiro é um povo pacífico, bem-humorado e feliz na terra do samba, do carnaval e do futebol. Essa ideia nos impede de entender a sociedade brasileira como uma sociedade extremamente violenta e excludente. Colocada em xeque, essa sociedade cria hoje uma série de obstáculos e contra-movimentos para conter o avanço dos direitos de minorias.

se quisermos construir uma sociedade mais justa, precisamos mais do que um projeto de crescimento econômico e da ampliação de massa de consumidores, disse o psiquiatra e psicanalista Benilton Bezerra Jr. no primeiro debate do Café Filosófico CPFL de agosto sobre “O Valor das Diferenças em um mundo Compartilhado”.

Para o curador da série, é preciso problematizar a construção das nossas identidades para compreender os preconceitos e as violências decorrentes desta construção. “Os seres humanos aprendem por toda a vida. Nosso cérebro é o objeto mais fantástico do cosmos. É aberto a tudo o que acontece ao nosso redor. Temos, portanto, uma natureza incompleta, uma abertura ontológica. O que é ser humano é uma é pergunta que sempre se coloca”, afirmou.

Por isso a ideia de uma identidade pensada a partir de contraposições – o que é legitimo e o que não é – deve ser sempre questionada. Para Benílton, é da nossa natureza produzir diferenças. No entanto, afirma, quando produzimos diferenças, produzimos também hierarquias; estas criam identidades e naturalizam as diferenças.

Segundo ele, pensar em um mundo melhor não significa ignorar as diferenças, mas criar um “embrião daquilo que um dia pode levar a uma sociedade melhor”. Uma sociedade, completou, que não precise classificar quem deve ou não ser excluído. Uma sociedade, portanto, que amplie a ideia de “nós” a partir da ideia de alteridade. Uma sociedade em que a dor do outro também nos diga respeito.

Para isso, afirmou, é preciso problematizar a ideia de “normalidade”, uma convenção que, tempos atrás, definiu o que deveria ser considerado um corpo ideal e transformou questões relativas à sexualidade em patologias. Benílton lembrou que apenas recentemente, e graças à pressão de militantes organizados, os manuais de psiquiatria retiraram a homossexualidade da lista de doenças mentais. A homossexualidade deixou de ser uma categoria de doenças em razão da luta política que contestou o saber psiquiátrico; aquela definição, disse o psicanalista, não era cientifica. Era um tributo pago à ideologia de uma época: a de que haveria uma sexualidade normal em contraponto a uma anormal.

“A ideia da homossexualidade como aberração levava à castração na Inglaterra até pouco tempo. A mudança é recente”, lembrou.

De acordo com o curador, as fronteiras entre identidade e diferença criaram leis para combater o que é legítimo ou não. Nesse sentido, negros eram descriminados dentro dos signos da própria linguagem da maioria branca. A partir dessa lógica, pessoas com deficiência física ou mental foram também excluídas do convívio das cidades não planejadas para acolhê-las. Segundo o curador, reconhecer as diferenças é compreender que a humanidade pode ser mais rica e diversa do que supomos.

“Temos de ter no horizonte que podemos ser diferentes nos atos, mas iguais no direito”, afirmou. “Os movimentos mostram que é possível pensar em um mundo diferente do de hoje. Com problemas novos, mas com progressos.”

Segundo Benilton, a melhor estratégia contra o preconceituoso é fazer com que ele tenha proximidade de quem tem apenas ideias abstratas. Para ele, as coisas mudam quando trocamos o termo “normal” por “normativo”. “Quando pensamos na ideia de normatividade, em vez de normalidade, podemos inverter algumas ideias. Como, por exemplo, a ideia de ser saudável. Você pode encontrar pessoas, estilos de vida e formas de pensamento fora da normalidade estatística e que são plenamente normativas. A ideia de identidade deve estar a serviço da ideia de que a identidade é transitória.”

Assista ao programa que foi ao ar pela TV Cultura:

 

Assista também à íntegra do encontro na gravação realizada no Instituto cpfl: