Café Filosófico

gravação | junho: programação completa do café filosófico

gravação | café filosófico de junho

módulo: sentidos da vida

curadoria: fernando schüler

Nietzsche havia tentado conquistar o coração de Lou Salomé, sem sucesso. Tempos depois, enquanto vagava solitário entre a Itália e os Alpes Suíços, recebe uma carta do velho amigo Erwin Rohde com uma foto de seu filho recém-nascido.

A reação de Nietzsche é um exercício de autopiedade. “Oh, amigo, que vida reclusa e sem sentido a minha. Tão só, tão sem filhos”. Não seria a primeira nem a última vez que Nietzsche reclamaria de sua vida solitária.

A lamentação de Nietzsche não é lá muito convincente. Por alguma razão (um tipo de nostalgia, amizade a Rohde?), o filósofo faz um aceno à imagem do homem feliz, confortável, rodeado pelos filhos, pequenos prazeres e de alguma estabilidade. Mas a imagem não cola.

 Nietzsche era, no fim das contas, um animal de outro tipo. Seu propósito um tanto dramático era buscar sentido para a existência humana em um mundo no qual os velhos valores haviam derretido. Um mundo sem deus, na sua imagem mais conhecida, no qual não nos resta outra alternativa senão andar por conta própria.

 Vem daí seu fascínio pela ideia do além-do-homem, seu deboche talvez injusto ao “último homem”, o pequeno hedonista, o homem comum. Daí seu elogio a Schopenhauer, espécie de Napoleão que se pôs a pensar e a perguntar, ao invés de ir à guerra. Daí seu elogio da vida que se vive “perigosamente”, tomando um tipo de risco que ele mesmo havia assumido quando rompeu com a religião de seu pai, pastor, com a vida acadêmica, com o fascínio de Wagner.

Um século depois, Luc Ferry, em seu Aprender a Viver, retoma a questão de Nietzsche, de um jeito muito diferente. Ele se dirige não ao filósofo, nem a si, ou à posteridade, mas ao homem comum. Seu mote: a boa vida como aquela disposta a assumir o risco da incerteza e vencer o medo da morte. Não da morte única e definitiva, mas daquilo que morre todos os dias, pelas nossas escolhas e não escolhas. Ele lembra a imagem do corvo, do poema de Edgar Alan Poe, a cada instante dizendo “nunca mais, nunca mais”, nos lembrar do tempo que está passando, da vida e sua fragilidade e das consolações que podemos encontrar na filosofia. A filosofia como nossa chance de uma “salvação sem deus”. Quem sabe um autoelogio, daquele que pensa como um tipo de cura moderno.

 A pergunta sobre como viver sempre foi uma das grandes questões da filosofia, e é muito provável que seja uma questão sem resposta. Do herói nietzschiano ao homem suave e otimista, de Ferry, é possível que tudo não passe de uma questão de estilo. De um lado, o elogio da vida no deserto, a renúncia em troca de uma ideia incerta de grandeza; de outro, o ideal contemporâneo da leveza, do longo aprendizado, da combinação da vida reflexiva com o prazer e o cultivo do cotidiano.

Ambos buscam responder à questão de Jordam Peterson: não a vida feliz, mas a vida com significado. Ou, como definiu Contardo Caligaris, a vida interessante.

 Somos de um tempo em que vivemos mais, em um mundo pautado pela abundância. Cultivamos o corpo, nos aventuramos mundo afora e recusamos a velha cisão entre o trabalho o prazer. Há quem fale de uma civilização suavemente hedonista, há quem prefira um tom mais político, tratando da emergência dos valores pós-materiais ao debate público.

 A grande questão prossegue sem resposta, ou ao menos sem a grande e definitiva resposta. Mas as perguntas que a envolvem parecem mais atuais do que nunca.

café filosófico cpfl | instituto cpfl | entrada gratuita, por ordem de chegada, a partir das 18h.

com transmissão ao vivo pelo facebookyoutube e instituto cpfl ao vivo


 

confira a programação:

07/06 | sex | 19h
como devemos viver? sabedoria e felicidade
com eduardo wolf, filósofo

 

14/06 | sex | 19h
nietzsche e os sentidos da vida
com fernando schüler, filósofo

28/06 | sex | 19h
biga data e os sentidos da vida
com donaldo schüler, escritor

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