Cidades com estrutura precária são afetadas
As mudanças climáticas irão estressar áreas urbanas mais vulneráveis. É preciso implantar medidas de adaptação
Suzana Kahn
A temperatura média pode subir até 6 ºC em 2100, e o regime de chuvas no Brasil também sofrerá alterações por conta das mudan- ças climáticas: nos Pampas e na Mata Atlântica do Sudeste pode haver aumento de até 30% na precipitação, enquanto na Amazônia e na Caatinga, o cenário deve ser de seca, com redução de até 40% nas chuvas.
Em março, na cidade de Yokohama, no Japão, ocorrerá sessão plenária para aprovar o sumário para tomadores de decisão do relatório do IPCC sobre Impactos, Adapta- ção e Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas e, em abril, na cidade de Berlim, na Alemanha, será a vez da aprovação do sumário do relatório do IPCC de mitigação. O objetivo maior da informação contida nos dois sumários é que os políticos possam traçar estraté- gias e adotar medidas de redução dos riscos associados à mudança climática, que podem ser tanto de adaptação quanto de mitigação e uma combinação de ambas, sendo que a escala dos efeitos da mitiga- ção é global e da adaptação tem efeitos locais.
Tradicionalmente, a mitigação recebe muito mais atenção na comunidade acadêmica e nas negociações climáticas. Uma das razões é que a mitigação traz outros benefícios (no caso de ações em transportes, menos congestionamentos, poluição, tempo de viagem etc.) além de reduzir emissões de gases de efeito estufa. Outra razão é que é mais simples mensurar e monitorar a redução de emissões do que avaliar medidas de adapta- ção. No entanto, por conta da inércia do sistema climático (mesmo que se reduza muito a emissão, o carbono que já está na atmosfera ficará lá por mais de cem anos) e da dificuldade de reduzir emissões, adaptar-se a um novo padrão climático é imperativo. Adicionalmente, apesar de a adaptação apresentar benefícios localizados, eles podem ser percebidos no curto prazo, diferentemente de ações de mitigação.
Recentemente, a questão urbana e a participação dos poderes locais na arena internacional começaram a ter maior destaque no debate climático. As cidades são responsáveis pela maior parte da produção e do consumo em todo o mundo e são propulsoras primá- rias de crescimento e desenvolvimento econômico. Por conta disso, é nas cidades que está uma das maiores fontes de emissão de gases de efeito estufa, em função da demanda crescente por energia. É também o local em que os impactos das mudanças climáticas serão mais sentidos, pois é onde reside a maior parte da população mundial. Ou seja, é nas cidades que se deve buscar a implementação de medidas de mitigação e adaptação.
Porém, vale destacar que somente com medidas de adaptação é que se poderá reduzir a vulnerabilidade “estrutural” das cidades, sobretudo aquelas que se encontram em países em desenvolvimento. A vulnerabilidade estrutural vai além da vulnerabilidade ao sistema climático.
A vulnerabilidade pode ser entendida em função de três componentes: capacidade de adaptação, exposição e sensibilidade. Locais com problemas associados ao crescimento desordenado e desigual, deficiências na área de saúde e educação, habitações em áreas de risco, inexistência de sistemas de saneamento, infraestrutura urbana precária, entre outras mazelas, são áreas que estruturalmente já são sensíveis. Assim, a questão climática só irá estressar ainda mais a condição desses locais, potencializando a sua vulnerabilidade. Por conta disso, atualmente, cidades de todo o mundo começam a despertar para a questão de aumento de resiliência, que pode ser entendida como o quanto uma nação ou uma cidade está preparada para enfrentar problemas adversos. Construir resiliência diz respeito a tornar as pessoas, comunidades e sistemas mais bem preparados para resistir a catástrofes – naturais ou de origem antrópica – e a serem capazes de se recuperar o mais rapidamente possível, tornando-se mais fortes a partir desses choques e tensões. De acordo com a Rockefeller Foundation, o custo dos desastres urbanos, só em 2011, foi estimado em mais de 380 bilhões de dólares.
Ou seja, há que se ter uma avaliação de vulnerabilidade que inclua fatores “não climáticos” e que compreenda questões ambientais, econômicas, sociais, demográficas, tecnológicas e políticas. Nesse caso, lamentavelmente, as nossas cidades estão muito desprotegidas. Um órgão do porte e abrangência do IPCC não tem condições de focalizar questões tão heterogêneas e tão dependentes de características diversas. Esse papel de análise da vulnerabilidade estrutural das cidades cabe aos poderes locais.