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a ciência e a responsabilidade ética com as novas gerações, com carlos nobre (íntegra)

Futuras gerações não perdoarão nosso descaso com o meio ambiente, diz cientista

Carlos Nobre, secretário de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia, compara sistema atual de consumo e produção ao escravismo, que ruiu em razão de um argumento econômico e hoje é lembrado como um sistema moralmente condenável

A abolição da escravidão no Brasil teve como principal alavanca o argumento econômico. Para se modernizar, o país precisava modificar a base do setor produtivo, com trabalhadores assalariados, para sedimentar uma classe de consumidores. O sistema escravista funcionava como uma trava a esse desenvolvimento, e se tornou economicamente indefensável antes de ruir. Hoje, as novas gerações não entendem a escravidão apenas como um inibidor do crescimento econômico da época, mas como um sistema moralmente condenável.

O mesmo deve acontecer com as questões relacionadas ao meio ambiente e ao aquecimento global, de acordo com o cientista Carlos Nobre, secretário de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia e membro do Conselho Consultivo Científico da ONU.

Terceiro palestrante da série sobre aquecimento global do programa Invenção do Contemporâneo, Nobre afirmou que a vida no Planeta hoje é muito mais valorizada do que nos séculos passados, e as gerações futuras não terão a mesma tolerância que a nossa em relação, por exemplo, à extinção das espécies e à erosão da biodiversidade. Isso coloca o tema do aquecimento global em outra dimensão: a dimensão ética.

Segundo o cientista, os seres humanos são muito adaptáveis e sobreviverão às mudanças do clima. As transformações, no entanto, serão fatais às outras formas de vida do Planeta. “Em 2000 anos, o nível do mar deve se elevar entre 3 e 7 metros. Com 1 metro mudamos toda a linha costeira, disse Nobre. “A probabilidade de uma grande transformação do Planeta, neste caso, ficaria alta. A temperatura se elevaria até 12ºC. Seria outro Planeta. A vida estaria ameaçada. Talvez não a nossa, mas a vida como um todo.”

Segundo Nobre, de 10% a 15% da biodiversidade do Planeta seria perdida com o aumento da temperatura. Parte das árvores não se adaptaria às mudanças.

O aquecimento global, portanto, não é tanto uma questão econômica, mas sim ética. “É uma questão de justiça. Se não atuarmos agora, eticamente estaremos legando às gerações futuras um Planeta em condições muito piores do que as que recebemos. Por isso devemos transmitir às novas gerações um respeito maior à vida. Toda a vida do Planeta, pois não somos sozinhos.” E completou: “A minha geração se acomodou demais em relação às responsabilidades ambientais”.

As consequências dessa irresponsabilidade, afirmou, já são sentidas. “No Nordeste a previsão é que as secas sejam cada vez mais severas. E as estiagens no Sul serão mais comuns. Devemos nos preparar para o novo regime, em que os extremos se tornarão mais frequentes.”

Segundo o cientista, o consumismo tem “muito a ver” com a crise que vivemos hoje. “Consumimos os recursos do Planeta de forma insustentável. Não podemos nos acomodar com o status quo da era anterior, a era fóssil.”

Na palestra, Nobre comentou as expectativas para a conferência do clima de 2015, em Paris. “Devido ao seu histórico de uso de energia renovável, o Brasil deve assumir o protagonismo do debate sobre emissão de gases. Em seis anos, as emissões não pararam de crescer, mas o conhecimento sobre o aquecimento aumentou.”

a ciência e a responsabilidade ética com as novas gerações, com carlos nobre – parte 1 from instituto cpfl | cultura on Vimeo.

a ciência e a responsabilidade ética com as novas gerações, com carlos nobre – parte 2 from instituto cpfl | cultura on Vimeo.

o conhecimento e compreensão dos padrões climáticos do planeta, suas mudanças ao longo do tempo e os prolongados efeitos da ação humana sobre o clima evoluíram de forma notável nos últimos 25 anos, e estão refletidas sinteticamente nos cinco relatórios do ipcc, o painel de cientistas da onu sobre mudanças climáticas, que representam o maior esforço já realizado de construção de pontes entre conhecimento e políticas públicas para compreensão de um tema de interesse global. o que aprendemos e como este conhecimento tem colocado em cheque as políticas de desenvolvimento e a nossa compreensão das responsabilidades intergeracionais? gravado em 21 de agosto de 2014.