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Christian Dunker: “O Brasil vai criar seu próprio fundamentalismo”

O condomínio é uma construção que protege sem proteger. Trancados entre muros, seus moradores trocam uma duvidosa sensação de segurança por uma vida de restrições e vigilâncias impostas por regras internas geridas pela figura do síndico.

Apesar das normas de convivência, os condôminos não estão livres dos problemas que imaginam deixar do lado de fora: o declínio natural do corpo, a imperfeição das leis, a pressão pelo sucesso, a violência, a intolerância, a inveja dos vizinhos, etc.

A figura desse “condomínio” é a alegoria desenvolvida pelo psicanalista e professor da USP Christian Dunker para criticar a privatização dos espaços públicos e analisar os medos, angústias, preconceitos e revoltas dos indivíduos na sociedade contemporânea. Segundo ele, existem condomínios murados por toda parte. Erguem-se na agressividade do debate político, no fundamentalismo religioso, nas perseguições contra minorias, nas redes sociais, na produção do conhecimento, nos hospitais psiquiátricos, no tratamento de crianças “problemáticas”.

“Mal-estar, sofrimento e sintoma”, título do livro recém-publicado pelo psicanalista pela Boitempo Editorial, é o tema do Café Filosófico CPFL de maio.

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Curador da série, Dunker falou com o público da CPFL Cultura na sexta-feira, 08/05, às 19h, sobre os limites do sofrimento que devemos suportar e aceitar. “A pergunta que rege o módulo é saber quando é preciso agir para mudar o mundo ou a nós mesmos?”, questiona.

Nessa entrevista, o psicanalista fala sobre as manifestações de março e abril, a agressividade do debate político atual, o fundamentalismo religioso brasileiro, as perseguições contra minorias, a medicalização de adultos e crianças e as mazelas da vida em rede. Confira:

 

– O livro é publicado praticamente no meio de uma guerra entre “condomínios” partidários – e um crescente apelo para que o síndico de uns e de outros dê uma ordem na bagunça, seja por um golpe militar, seja por uma nova eleição, seja pelo encarceramento de tudo o que pensamos não fazer parte. Como, na avaliação do sr., os protestos e as passionalidades observados desde as eleições do ano passado atualizam a ideia de mal-estar, sofrimento e sintoma desse sujeito em busca de um muro para chamar de seu?

 

Ganha força o discurso de que nosso mal-estar pode ser nomeado, e pode ser facilmente e inteiramente nomeado na forma da violência, da corrupção ou da gestão de um partido político. Por algum motivo imprevisível a última eleição parece ter perturbado certas ilusões das classes médias, de que o condomínio Brasil poderia a qualquer momento ser resgatado, e que no fundo Dilma não alteraria a antiga lógica dos “dos donos do poder”. E quando eles quiseram de volta o playground se viram contrariados. Mas isso não quer dizer que condomínios como a Petrobras não tenham ido longe demais na sua soberba protegida por muros de tolerância e licenciosidade. Os protestos e o ódio que estamos vendo não podem ser entendidos sem levar em conta acumulação e convergência de motivos. É como um refluxo. A violência silenciosa que se estabelece quando criamos uma zona protegida, com leis próprias e particularizadas, com síndicos a nos proteger e a nos oprimir, com rituais de humilhação e ostentação, permite que no segundo tempo tenhamos a violência como um nome demasiado fácil para nosso mal-estar. Afinal não foi em nome disso que nos protegemos nos condomínios? A violência está lá fora, e se vamos sair de nossos condomínios é em nome de uma espécie de estado de barbárie. Esta nomeação demasiadamente disponível faz convergir nossas narrativas de sofrimento:

  1. Se nos sentimos inseguros é porque há um objeto intrusivo entre nós, potencialmente violento e, portanto, fica justificada nossa atitude violentamente “preventiva” contra negros, nordestinos, homossexuais e todos estes outros que vêm lá de “fora” de nossa antes harmoniosa cidade, para alterar nossa ordem social.
  2. Se nos sentimos inseguros é porque alguém está violando o pacto que havíamos antes estabelecido e, portanto, fica justificada nossa atitude violentamente repressiva contra corruptos, manipuladores e desobedientes que não estão seguindo nossas leis nem respeitando a divisão “natural” entre quem tem o poder e quem sofre o poder, quem tem os meios e quem só padece dos efeitos do poder.
  3. Se nos sentimos inseguros é porque alguém coloca em risco um fragmento de nossa felicidade, nossos filhos, nossa moral, nosso modo de vida, o que justifica nossa atitude violenta que cria inimigos para aumentar a força de coesão e de identidade entre “nós”.
  4. Se nos sentimos inseguros é porque há uma generalizada anomia, falta de autoridade ou dispersão de nosso “espírito” que precisa se resgatada por uma espécie de retorno às origens e de reestabelecimento da ordem. Portanto, a violência deve ser mobilizada para restaurar a paz.

 

Vemos assim como facilmente a nomeação massiva do que Freud chamava de mal-estar, ou o que Lacan chamava de Real como “a-violência” engendra esta demanda por “um muro para chamar de seu”.

 

– No debate público, o termo “família” é usado como um escudo ou uma entidade a ser protegida das ameaças de uma sociedade conectada, contestatória e pouco atenta a lideranças tradicionais. É correto dizer que a busca ou a proteção nessa “normatividade” supostamente perdida é exemplo da chamada “condominalização” do sintoma?

A função de nomeação é, no fundo, uma gramática de filiação que permite dizer quem somos “nós” e quem são “eles”. Quando estamos em um sistema totemista, a família, seja ela estendida ou mais concentrada, é a referência, “em nome do que” tudo se justifica. Por isso, diante de momentos agudos de transformação ou de anomia, retornamos ao nosso porto seguro para reassegurarmos os valores que criam coesão e nos garante uma filiação. A expansão da vida digital oferece grupos de filiação alternativos, mais plásticos ou flexíveis do que a família tradicional, que, aliás, tem se modificado brutalmente. Isso não muda muito o fato de que adoramos escudos protetores, para nos desresponsabilizar por nossos desejos, para nos demitir de nossas implicações e para projetar no “eles” aquilo mesmo que não conseguimos suportar em nós mesmos. A condominização é um ótimo semblante, pois esta deriva de filiações e cria uma normatividade “seletiva”, uma espécie de lei para consumo local, uma lei baseada na exclusão de alguns.

 

– Como entender, por exemplo, grupos religiosos que de repente se reconhecem como Gladiadores do Altar para lutar em nome de algo que ninguém diz o que é? O ódio contra determinados grupos – gays, negros, mulheres – é a manifestação desse mal-estar?

O Brasil vai criar seu próprio fundamentalismo a partir desta mistura que estamos vendo diante de nossos olhos entre grupos religiosos que adquiriram uma consciência de sua capacidade de combate, ao modo de milícias da fé, com a estrutura em condomínio de nossas relações de poder no espaço público. Por isso a bancada evangélica não tem verdadeiros opositores, ela é o retorno invertido do que há de pior em termos de intrusão de crenças privadas na esfera pública. Lacan dizia que a metafísica é isso que colocamos no lugar do buraco da política. Ou seja, se a política é este campo que não se fecha nunca, que é constituído por uma impossibilidade radical de a sociedade se fechar na imagem que ela produz de si mesma, a metafísica é este discurso que colocamos no lugar deste vazio estrutural, para produzir uma totalidade coerente, congruente e harmoniosa. Mas esta nova metafísica é sem precedentes porque, aliada ao sistema de produção, deu à luz uma religião de resultados.

 

– Podemos relacionar essa busca da normatividade com o que o sr. chama de diagnóstico “sólido” em meio a uma sociedade líquida?

Em certo sentido nossa sociedade chegou a uma espécie de consenso liberal, no qual a normatividade tradicional perdeu sua capacidade de reproduzir-se. Isso tornou algumas áreas antes reservadas à orientação privada de nossas existências uma espécie de axioma inquestionado: o direito de convicção, o direito de individualidade, o direito ao ponto de vista, o direito à expressão. Quando articulado com uma consciência cínica, permite que articulemos a flexibilidade das identidades pós-modernas com o caráter absolutamente inquestionado de nossa moral higiênica, de nossa disciplina da salubridade, com a nossa axiomática religiosa. O diagnóstico ganhou, assim, “força de lei”, tanto no sentido de criar exceções (na educação, no direito, nas empresas) quanto no sentido de consolidar uma espécie de convicção demasiadamente determinada.

 

– Pensando no corpo social, o discurso higienista contra tudo o que está aí tem paralelo com a medicalização do mal-estar?

A medicalização é uma das grandes forças de nosso processo de nomeação do mal-estar. Em tese este movimento ideológico supõe que não há forma de mal-estar que não se reduza ao sofrimento e não há sofrimento que não seja redutível a sintomas codificados. No fundo o capitalismo descobriu que o sofrimento é um bom negócio e está tentado segmentá-lo e geri-lo e empreitá-lo como qualquer outro bem simbólico. A massificação do emprego de drogas em crianças é um holocausto psiquiátrico anunciado. A banalização do uso de drogas para criar desempenho sexual, laboral, educacional ou social criará uma civilização de pessoas cuja experiência subjetiva jamais poderá criar uma história que não a de sua própria anestesia.

 

– Há um paralelo possível entre a incapacidade de articulação do mal-estar e a desorientação da narrativa política atual, que parece resgatar fantasmas enterrados desde a Guerra Fria?

Pensar em mal-estar é pensar segundo certa experiência trágica da existência. É pensar a vida com a lógica do sacrifício, do gosto pelo esforço, e pelo respeito com a contingência, a balança entre virtù e fortuna da qual falava Maquiavel. Mas quando a suposição dominante é de que a tragédia não é mais uma condição universal, mas apenas o fato de que eu fui excluído da festa do vizinho, ou que não fui chamado para o seu condomínio, encontramos uma espécie de sanção social para esta fantasia de que o gozo não representa uma impossibilidade estrutural, mas é apenas uma manobra que o Outro, ser supremo em maldade, mas também em potência, cometeu contra mim.  Com isso retorna tudo o que de pior pensamos ter evitado com a nossa educação após Auschwitz. Como os que testemunharam este período trágico estão diminuindo, passamos a depender apenas da história para lembrar como é fácil produzir o pior. E a história, quando não acontece como tragédia, se repete como farsa.

 

– Há paralelo entre a gritaria desarticulada e a busca de reconhecimento social do sofrimento?

Óbvio e evidente que a gritaria desarticulada tem uma demanda em curso. É uma demanda de que exprime de forma aberta, e até certo ponto nova, um conjunto de narrativas de sofrimento. E o sofrimento contém sempre um déficit de reconhecimento. A pergunta seguinte nos remeteria a pensar que tipo e que qualidade de sofrimento está em jogo aqui. Muitos dos cartazes em inglês ou francês, as declarações do tipo “Fora Marx de Guaranhuns”, são uma espécie de autoironia involuntária que sofre, sim, mas cujo sofrimento poderia ser traduzido por uma espécie de intolerância à equidade. Sofro porque “agora meu filho vai à faculdade com o filho da empregada”, ou porque “os aeroportos viraram estações rodoviárias” ou porque se “qualquer um tem carro o trânsito fica impossível”. Ou seja, quando qualquer um é “alguém” eu mesmo tenho de inventar um novo alguém para recuperar o antigo “caráter especial” que eu atribuía a mim mesmo e aos meus. É o tipo de sofrimento que tínhamos nos acostumado a ver disfarçado, com alguns pingos de vergonha e um “toque” de culpa. É um sofrimento que traz consigo o desejo de reconhecimento mais do que o reconhecimento do desejo. É o sofrimento que exprime regressivamente, diante de um quadro de indeterminação, a exigência de retorno às velhas formas de determinação.

 

– A criação, na grande SP, de Alphaville, como o sr. aponta no livro, coincide com o período de recrudescimento do regime militar e o estabelecimento de uma ordem na qual o “desvio” de comportamento era encarcerado em hospitais psiquiátricos. Isso explica a despolitização do sofrimento?

Nos anos 1970 o desvio de comportamento era facilmente enquadrado por discursos individualizantes e patologizantes. Quarenta anos depois, já não sabemos mais tão bem o que é um desvio de comportamento e, em vez de temer um diagnóstico que pode nos encarcerar para a vida toda, ambicionamos por ele, tanto porque ele pode nos conferir cidadania ao nos incluir em um discurso de proteção, seja por que ele pode nos restituir a condição de “excepcionalidade” que nosso narcisismo em tempos líquidos requer. A despolitização do sofrimento parece uma das estratégias mais importantes do neoliberalismo, que também começa a ser assumido como política de Estado a partir dos anos 1970. Esta despolitização poderia ser descrita como um deslocamento da política para a micropolítica. Um exemplo célebre: diante de uma carga de trabalho inexequível, as telefonistas francesas dos anos 1970 eram levadas ao estado de desespero “calculado”. Assim sua agressividade era canalizada para um aumento de sua produtividade, única forma delas se livrarem logo da situação ansiógena que era o trabalho. Hoje nossa política indireta de exploração “produtivista” do sofrimento foi individualizada. Ela absorveu sacrifício em uma narrativa de heroísmo. São os próprios indivíduos que criam suas políticas de sofrimento, como empreendedores de seus próprios negócios, criando metas e objetivos, trabalhando mais do que necessário, obcecados pelo aperfeiçoamento ou afugentados pelo fantasma da desempregabilidade. Um bom exemplo é o Big Brother, pelo qual rimos fascinados da lógica de segregação (o paredão é apenas mais um muro condominial) que nos oprime a nós mesmos cotidianamente.

 

– Como isso se altera num momento de relativa liberdade política, mas de aprisionamento individual ao imediatismo, ao agora, à ideia de sucesso e “taxas de retorno” imediato da própria experiência?

Isso é uma observação muito importante sobre nossas novas formas de sofrimento. O sofrimento amnésico é aquele que não deixa marcas nem rastros. Por outro lado ele é inconsequente com o futuro, e com o futuro da própria pessoa. A vida em estado de bolha temporal, ou em estrutura de encontro, ou baseada em projetos, não suporta a contingência e o risco imanentes às verdadeiras histórias que merecem ser contadas.  Uma vida na qual só se conta o último capítulo é uma vida que precisa de contabilidades muito específicas e “taxas de retorno” que nos expõem a contínuas idealizações de nós mesmos. Nosso discurso sobre a felicidade e nossa obsessão com a felicidade parece um sintoma da insuportável insatisfação decorrente do nosso sentimento de irrelevância, esvaziamento e apequenamento. Nosso narcisismo tornou-se grandioso e guloso. Ele nos faz cultivar formas de vida que estão sempre mais ou menos ao largo da exposição real ao risco do desejo. Formas de vida que adotam os parênteses e a preliminar como temporalidade fundamental. Isso cria um terrível recuo diante do Real e uma tendência massiva de infantilização, aliás da qual todos se queixam.

 

– Como o sr. vê as formas de relacionamento mediadas hoje pelas redes sociais?

Não sou um crítico de redes sociais e da vida digital em geral. Provavelmente daqui a 50 anos será o que caracterizará a minha geração: a primeira a  ter internet, Google e celular.  Isso é incrível, mas muito pouco comentado. Aqueles que estão em primeiro lugar em uma experiência histórica marcam para sempre seu próprio suceder. Por outro lado estamos muito perto dos eventos para sermos contemporâneos de nós mesmos. Vejo a terceira idade redescobrir o sexo, vejo os enjeitados se divertirem, vejo a dinâmica de encontros inter-classe, inter-gênero, inter-cultura se multiplicar de modo comparável apenas à descoberta da América no século XVI. Por outro lado vejo a miséria das conversas que são incapazes de fazer qualquer coisa criativa com esta diferença, vejo a mesmice de alguém que entra em uma sorveteria com 500 sabores e pede um sorvete de creme (porque escolher tornou-se infinitamente complexo). Talvez sejamos como madame Cury que, ao descobrir a radiação, não conseguiu pensar ao mesmo tempo nos recursos para se defender dela.

 

– Na sua avaliação, a possibilidade de conexão com experiências, ideias e artigos em livre circulação tem ajudado a solapar os muros dos condomínios do conhecimento?

Na esfera da organização dos saberes, dos currículos e da pesquisa universitária, nunca foi tão fácil colaborar e internacionalizar o que se faz. Mas também com isso se descobriu como o empreendimento do saber envolve desperdícios, redundâncias e riscos marcantes.  Linhas de pesquisa e trabalhos maravilhosos, que poderiam se tornar fonte decisiva para pesquisas que ainda não conseguimos sonhar, são destruídas porque não conseguem se justificar nos termos da tremendamente complexa rede de distribuição de recursos a partir de escalas de comparação entre centros produtores de conhecimento. Áreas inteiras descobriram que “há um mundo lá fora” e que a colaboração de não especialistas, o trabalho coletivo a “n-mãos” pode criar resolver problemas antes impensáveis. Por outro lado corremos sério risco de uma espécie de condominização de áreas, que se tornam muradas para os de fora. A universidade deve sair de si mesma sem se diluir em uma espécie de wiki-pedia da trivialização do saber. Corremos o risco de que a comparação segregatória, representada pelos rankings, por exemplo, faça com que cada país escolha uma ou duas universidades e entregue o resto ao além. E dentro de cada universidade, teremos um ou dois cursos que engolem os investimentos enquanto os outros minguam até desaparecer. O grande problema não será a pesquisa de ponta nem o lixo indústria tóxico que começamos a distribuir pelo produtivismo acadêmico, mas o que fazer com a boa pesquisa média.

 

– Hoje, por exemplo, os grupos conseguem se articular e promover discussões que ameaçam os monopólios de conhecimento de professores, gestores e até de médicos – a luta pelo parto humanizado, por exemplo, é filho direto da dinâmica das trocas de informações e debates online. Ou o risco é que nós, os condôminos, passemos a circular apenas em nossas áreas de conforto, inclusive nos meios digitais?

A luta pelo parto humanizado é um bom exemplo para a pergunta precedente também. A abertura dos saberes práticos à consideração geral e popular pode gerar rápidos consensos que percebem como certos estados de mundo são injustificáveis e como certas rotinas têm sua origem em aporias da razão e da ética. Os debates on-line criam redes espontâneas de apoio e esclarecimento que fazem muitos especialistas condominiais sofrer. Muitos não estão acostumados a “dar satisfações”, trabalhando ainda em universos muito hierarquizados e verticais. Isso torna todo mundo muito corajoso quando se trata de emitir opiniões e fazer escolhas ponderadas. Afinal, alguém que sabe fazer algumas pesquisas não está mais na posição de dependente e desamparado que deve ouvir calado e obediente o especialista falar. Isso vale para a política também, que ainda não soube criar mecanismos de participação direta em decisões de interesse público, a não ser em contextos ou países muito pequenos (como a Islândia, por exemplo). É o fim do “você sabe com que você está falando?”. Por outro lado isso nos expõe a uma civilização de zeladores, gestores, formadores de opiniões e outros gerentes de regulamento que estão dispostos a transformar uma questão aberta (como o tipo de parto que se deseja) em uma norma ou uma contra-norma.  A agressividade do debate tende a aumentar, e os debates tendem a aumentar, não porque temos mais diversidade de posições, mas porque isso força uma implicação mais direta de nosso desejo. E ele, em geral, não se comporta muito bem quando temos de agir levando-o em conta. Quando uma questão aparentemente tão técnica como o tipo de parto se torna cena de uma discussão aberta e mundial, perdemos a antiga confiança em nossas autoridades médicas. Adoramos isso. No entanto a fase seguinte não é “agora sabemos exatamente como fazer”, mas pelo contrário, agora você terá de decidir mais implicadamente o que você quer …. e pagar por isso.  Para o bem e para o mal.

 

 

[Foto: Wall in Pembroke/NH53/Flickr]