cafe filosófico

o que, afinal, aconteceu em junho de 2013?, com marcos nobre (vídeo na íntegra)

Discordar não é crime

No 1º Café Filosófico CPFL do módulo “Novos tempos na política”, o filósofo Marcos Nobre diz que a polarização da eleição de 2014 confirmou o recado de junho de 2013: “não precisamos mais andar grudados uns nos outros para que o país ande”

Uma das perguntas que as pessoas se fizeram após a eleição de 2014 foi: “por que tanto ódio?” A resposta, segundo o filósofo e cientista político Marcos Nobre está em junho de 2013.

No primeiro Café Filosófico CPFL do módulo “Novos Tempos na Política – O Outono do Patriarcalismo”, o professor da Unicamp afirmou que os resultados das manifestações do ano passado “ainda estão acontecendo”.

Para ele, as ruas foram palco de diferentes tipos de manifestações. “Muitas das pessoas que estavam nas ruas em junho de 2013 pensavam de maneiras incompatíveis. Diziam que era um protesto sem foco. Mas porque, pela primeira vez, as pessoas saíram às ruas sem abrir mão das diferenças”, disse. “As diferenças, quando escondidas, não podem ser democraticamente tratadas. Quando vão às ruas, sim. Junho de 2013 mostrou que não precisamos mais andar grudados uns nos outros, em blocos, para que o país ande. Mostrou que nós podemos nos dividir. E que não é crime algum ter posições diferentes.”

Nobre lembrou que, nos protestos pelo impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, houve quem defendesse a ditadura e, ironicamente, a supressão dos direitos de se manifestar – o que indica o grau de liberdade existente no país.

“Quando alguém pede a volta da ditadura, coloca pra fora o que estava nela. E precisa se justificar. É isso o que as ditaduras anulam: a possibilidade de participar do debate, de ouvir e ser ouvido. Os governos autoritários suprimem as tensões entre sociedade e Estado. A crítica desaparece”, afirmou.

“Isso fica evidente nas redes sociais, ainda que a quantidade de ódio postada lá seja espantosa. Aprofundar a democracia não é acreditar que somos cordiais, gentis e que esta sociedade não é violenta”, afirmou. “O que é melhor? Manifestar e exercer o preconceito dentro de casa ou colocar para fora do armário e ser confrontado? A democracia permite que as pessoas digam o que pensam e que elas sejam confrontadas por isso.”

“A rua também é da direita. Há uma direita que também é democrática. Nem toda direita é autoritária ou a favor da ditadura”, lembrou. “O governo Dilma não é de esquerda. O PT é. Mas na base do governo há o PP, cujos líderes apoiaram a ditadura. Ou a gente aceita que existe uma direita democrática e uma esquerda democrática ou não temos democracia.”

Nobre afirmou que o grau de polarização da campanha tem como explicação o fim da bonança econômica de tempos recentes. As restrições econômicas atuais levam o governo – e os eleitores – a fazer escolhas. “Hoje é preciso que haja uma distribuição de renda de verdade: tirar de uma parte para transferir a outra”, disse. Nem todos estão dispostos a essa redistribuição, o que explicaria as manifestações pró ou contra o atual governo. “Será feita uma reforma tributária em que quem tem mais vai pagar mais? Ou será mantido o pacto para ninguém perder?”, questionou. “A eleição se tornou uma batalha épica, ainda que Dilma não tenha defendido uma redistribuição dos ricos para pobres.”

Segundo Nobre, a própria ascensão social observada no País nos últimos anos é objeto de tensão e insatisfação atuais. “As pessoas da base da pirâmide subiram, mas sem escola e sem serviços públicos de qualidade. Essas pessoas são vistas como ‘intrusas’ por determinada parcela da classe média tradicional. Por isso essas pessoas que subiram na pirâmide foram estudar. E encontraram cursos de péssima qualidade”.

Há, portanto, um grupo ameaçado por uma política econômica restritiva que poderia bloquear a consolidação da ascensão social, e outro que luta para consolidar essas conquistas.

Ele lembrou que, desde a redemocratização, os governos brasileiros tiveram a mesma base de apoio parlamentar. “O que mudou é apenas o síndico do condomínio. Enquanto só houver o bloco do PMDB e só pudermos trocar o síndico, não vamos aprofundar a democracia.”

A partir da eleição de 2014, prevê, as diferentes entre governo e oposição ficarão mais claras.  “Muitos reclamam do nível do debate eleitoral. Mas não estamos num debate acadêmico. O debate poderia ter sido melhor? Poderia. Mas foi uma campanha que debateu temas importantes.”