raça e racismo no brasil contemporâneo, com carlos medeiros (íntegra)
“Não se combate o racismo sem reconhecê-lo”
Vivemos, no Brasil, um momento extraordinário no debate sobre as questões raciais. As ações afirmativas obrigaram a sociedade a debater uma questão antes considerada desagradável e “desnecessária” por quem via na luta do movimento negro um “esforço” para dividir uma nação supostamente harmônica e baseada na democracia racial.
“A discussão do racismo é fundamental não apenas para os negros, mas para o conjunto da sociedade brasileira”, disse o jornalista Carlos Medeiros durante o Café Filosófico CPFL (video completo no final deste texto) sobre “Raça e Racismo no Brasil”, segundo debate da série “O valor das diferenças em um mundo compartilhado”.
“Ações afirmativas não acabam com racismo nem com o sistema público de ensino, como diziam seus opositores. Mas proporcionam igualdade de oportunidade”, resumiu.
Em sua fala, o palestrante disse não ter conhecido a discriminação contra negros por meio dos livros, mas por experiência pessoal. A discriminação, porém, é muitas vezes naturalizada e nem sempre perceptível. Para compreendê-la é preciso analisar a gramática das relações sociais no país, permeada de signos e manifestações racistas ao longo da História. “Para os teóricos racistas, pior do que o negro eram os mestiços, considerados seres degenerados, fadados à extinção. Essa ideia criou uma espécie de pessimismo racial no Brasil. A mestiçagem começou a ser vista como problema. Outros teorias diziam que havia mestiços superiores, próximos de brancos, e mestiços inferiores, próximos de negros, que seriam extintos. Em contrapartida, havia uma ideia de que o Brasil era o paraíso da tolerância porque não éramos cruéis como nos EUA”, disse.
Nos EUA, lembrou, havia milícias racistas, como a Klu-Klux-Klan, e a proibição de casamento inter-racial durante anos. Em oposição a isso o Brasil era visto como um “polo positivo” da questão racial, embora fosse também um país onde a discriminação era comum. “Aqui era preciso fechar os olhos para discriminações e construir uma identidade positiva: o mito da democracia racial. Negros que ousavam denunciar a discriminação eram considerados ‘criminosos’ ou ‘complexados’. O senso comum dizia que o Brasil deveria debater suas questões sociais, não raciais. Como se o racismo não fosse uma questão social.”
“A maioria dos brasileiros nega ser racista, mas não quer ver as filhas casadas com negros. Isso é demonstrado em pesquisa. Aqui, diferentemente dos EUA, brancos convivem com negros. Mas é quase sempre uma relação de hierarquia”, afirmou.
No Brasil, lembrou, até os sindicatos tinham medo de debater o racismo com medo de “dividir” a classe operária. Por isso ao brasileiro sempre foi mais difícil reconhecer a existência de um problema – e, consequentemente, o seu enfrentamento.
De acordo com Medeiros, apesar do avanço do debate em torno das cotas, que levou o país a se debruçar sobre a questão, existe hoje a impressão de que o racismo aumentou graças à internet, uma ferramenta, segundo ele, “ambígua em relação ao enfrentamento da questão racial”.
“A violência contra mulheres, sobretudo mulheres negras, sempre existiu. Mas agora elas começaram a denunciar. O ideal, para o grupo dominante, é que o dominado aceite a submissão”, disse. “É melhor que essas manifestações de injúria racial apareçam do que ficarem camufladas.”
O enfrentamento, segundo o jornalista, passa por uma reunião de forças e movimentos. “Todos os movimentos – gay, negro e feminista – têm uma bandeira em comum. Quem é racista costuma ser machista e homofóbico”, disse. Nesse sentido, afirmou, o papel dos brancos no combate ao racismo é fundamental, afirmou. “Malcolm X dizia que a melhor forma de um branco combater o racismo é combatê-lo dentro de casa e em suas relações.”
Outra forma de enfrentamento, segundo ele, é a crítica em relação aos estereótipos reforçados sobretudo pelo cinema e pela TV. “As chamadas ‘favela movies’ e as novelas reforçam o estereótipo do negro no Brasil”, disse. Para ele, a teledramaturgia nacional presta um desserviço quando cria os chamados “vilões racistas de novela”: o sujeito mau, grosseiro, canalha, assassino E racista. Segundo ele, é difícil, para o espectador, se identificar com esses personagens. O racista, lembrou, nem sempre é essa pessoa agressiva – e muitos assumem postura racistas sem sequer perceber.
Ainda segundo Medeiros, a lei 10.639, que inclui nas escolas a história da escravidão e dos negros, é hoje uma das principais ferramentas de combate ao racismo. A ideia, lembrou, sofre resistência sobretudo de grupos religiosos intolerantes em relação à história e às religiões afro.
Ele lembrou também que ações afirmativas não são apenas cotas. Abrangem bolsas de estudo, recrutamento em comunidades e fiscalização da discriminação no ambiente trabalho.
A aplicação das leis e projetos antirracismo, disse, passa pela visibilização e do empoderamento dos negros no Brasil. “Em Salvador, o único prefeito negro foi nomeado na ditadura. A lei, para pegar, precisa de força política.”
Apesar dos esforços, Medeiros disse ser difícil prometer às crianças o fim do racismo. Mas trabalhar a autoestima delas, com consciência da história dos protagonistas negros pelo mundo, pode ser uma forma eficiente de enfrentamento. “O filhos precisam ser preparados para uma situação (a discriminação) que vai acontecer. Eles não podem se sentir impotentes.”
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