Exposição

paisagens na coleção do mam, por felipe chaimovich

Imagem: reprodução de obra de Luiz Braga

A arte moderna desenvolveu-se a partir da pintura de paisagem. Essa origem garantiu a sobrevivência do gênero paisagístico durante o desenvolvimento da arte, nos últimos 150 anos, mesmo em suas formas mais experimentais. No Brasil, o Museu de Arte Moderna de São Paulo tem colecionado obras feitas com diferentes técnicas e reuniu na CPFL uma seleção que visa a apresentar a amplitude de tratamentos que a paisagem tem ganhado na produção de nossos artistas.

O gênero da paisagem foi profundamente modificado pela prática da pintura ao ar livre. No final do século XVIII, iniciou-se uma prática de turismo na Grã-Bretanha que visava a busca de locais com relevos e vegetações muito irregulares; os turistas levavam material de desenho para registrar suas “impressões” dos locais visitados, produzindo rapidamente esboços que exprimiam as vistas mais pitorescas da viagem. Logo, começaram também a colorir os esboços com aquarela e, menos frequentemente, com tinta a óleo.

O crescimento do turismo pitoresco levou também os pintores profissionais a se interessarem pela prática em outros países da Europa. Na França, alguns artistas começaram a estabelecer comunidades em locais cujo relevo e vegetação eram considerados especialmente irregulares. Originariamente, os pintores profissionais faziam seus esboços ao ar livre e registravam sobretudo os efeitos momentâneos da luz de determinadas horas do dia, mas depois terminavam os quadros em seus estúdios. Contudo, o interesse pelos efeitos obtidos ao ar livre levou os pintores a deixar os esboços iniciais sem o tratamento suavizante do estúdio e, mesmo quando as obras eram retrabalhadas, guardavam os efeitos da pintura feita rapidamente, no calor da hora, diante dos efeitos atmosféricos cambiantes.

Reprodução da obra “Estrelas Azuis”, de Sandra Cinto

Assim, as áreas de cor foram se destacando dos contornos das figuras devido ao estilo da pintura rápida, que deixava pouco tempo para o desenho detalhista. Os artistas mais radicais foram tomando liberdades com as cores, desconectando-as dos temas pintados, seja como ferramenta de expressão de sentimentos subjetivos, seja como meio de inventar figuras que não correspondiam à realidade. Nesse processo, foi se constituindo o conjunto de obras que hoje chamamos de arte moderna.

Na seleção de obras da coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo aqui reunida, a pintura mais antiga é Paisagem, de Quirino da Silva, de 1929. Esse quadro testemunha a prática da pintura de paisagem ao ar livre, e o artista procura registrar as cores de uma determinada hora do dia incidindo num relevo irregular, no qual contrastam o vale em primeiro plano contra a montanha no plano de fundo. A tinta é opaca, e as pinceladas ainda são visíveis, evidenciando os gestos do artista.

As obras de datas imediatamente posteriores ao quadro de Quirino da Silva, feitas nas décadas de 1930 e 1940, mostram os contornos das figuras menos definidos e uma maior licença na invenção de formas que não correspondem à realidade exata; são os quadros dos artistas Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Clóvis Graciano, Emiliano Di Cavalcanti, Francisco Rebolo, Giuliana Giorgi, José Pancetti, Mário Zanini, Paulo Rossi Osir, Sérgio Milliet e Tarsila do Amaral. A pintura ainda era praticada ao ar livre, mas se abria para livres associações, como o plano de fundo de Tarsila do Amaral, no qual parecem se confundir o céu e a terra. Por outro lado, as gravuras de Lívio Abramo, todas em preto e branco, mostram um desenho também livre da função de copiar o que é visto diante do artista: os traços ganham características expressivas da mão do artista, que simplifica as formas para criar mais contrastes entre os elementos horizontais e os verticais. Essas licenças compositivas, sejam com a cor ou com o desenho, despertaram o interesse da comunidade artística da metade do século passado por artistas sem educação formal em escolas de arte, mas que também improvisavam soluções compositivas imprevistas: tal é o caso de Emídio de Souza e de suas paisagens praianas e, algum tempo depois, de Agostinho de Freitas e de José Cláudio da Silva. Já Farnese de Andrade é representado por um desenho mais conservador, testemunhando ainda o começo de um artista que se tornaria transgressor nos anos seguintes.

Reprodução de obra de Emídio de Souza

Nas décadas de 1960 e 1970, a pintura de paisagem ganha cada vez mais caráter expressivo, mas busca também manter sua identidade como imagem de um lugar. Armando Balloni, Carlos Bracher, Fulvio Pennacchi, Henrique Boese, Iracema Arditi e Ottone Zorlini testemunham uma tensão entre a liberdade inventiva, que as gerações anteriores haviam conquistado, e uma manutenção da ordem das figuras.

A partir dos anos 1980, os artistas oscilam entre obras mais fiéis à realidade, como nos casos de Dudi Maia Rosa, Gilda Vogt Maia Rosa e Roberto Feitosa, e obras com cores saturadas e artificiais próximas das imagens publicitárias, como nos casos de Antonello L’Abbate, Cláudio Fonseca, José Leonilson e Leda Catunda. Essa tensão será explorada pela fotografia a partir da década de 1990, pois a relação entre ser fiel à paisagem retratada e ser livre no uso de cores ou de contrastes em preto e branco é especialmente desafiadora para Albano Afonso, Araquém Alcântara, Carlos Freire, João Luiz Musa, Luiz Braga, Nelson Félix, Rogério Canella, Pedro David, Pedro Motta, Rinko Kawauchi e Tatiana Blass.

As paisagens foram se tornando cada vez mais experimentais nas últimas duas décadas. Assim, vemos a sobrevivência de técnicas tradicionais como a gravura de Vânia Mignone e as pinturas de Rodrigo Andrade, Sandra Cinto e Valdirlei Dias Nunes, mas cada qual usando a paisagem como referência para os próprios interesses, já distantes da pintura ao ar livre. Essa transformação da paisagem leva também às obras que misturam diversas técnicas, utilizando a paisagem como referência distante, como nas obras de Camille Kachani, Daniel Escobar, Mabe Bethônico, Roberto Bethônico e Rodrigo Matheus.

Ao acompanhar os desdobramentos da paisagem na coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo, o visitante abre os horizontes para a experimentação artística que caracteriza o moderno, abrindo o caminho para o futuro.