origens da medicalização da saúde, com naomar almeida filho (íntegra)
De perto ninguém é normal
O epidemiologista Naomar de Almeida Filho, reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia, questiona no Café Filosófico CPFL o “mandato” dos médicos para definir como os sujeitos devem viver para serem considerados saudáveis
“Qual o impacto da tecnologia na formação de sujeitos com mandato sobre o tratamento da saúde?”. A questão sobre a atividade médica foi levantada por um médico, o epidemiologista Naomar de Almeida Filho, reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia, durante o terceiro Café Filosófico CPFL da série sobre Medicalização Fora de Controle, gravado no dia 22 de agosto de 2014.
Em sua apresentação, Almeida Filho traçou um panorama da evolução da ciência e do conceito de saúde ao longo da história e questionou o “mandato” dos profissionais de medicina sobre os pacientes. Segundo ele, o tema envolve aspectos econômicos, políticos e ideológicos. Econômicos porque as patologias possibilitam criar mercadorias e monetizar o diagnóstico e o tratamento. Política porque o debate tem como pano de fundo o controle social da atividade médica. “As corporações médicas são autocontroladas ou controladas socialmente?”, questionou. E ideológica porque se refere à reprodução de sujeitos e ideias, inclusive mitologias.
Esse questionamento, segundo o palestrante, acontece em um momento em que estamos cada vez mais preocupados com aspectos de saúde. “Isso faz parte da promoção do autocuidado ou se refere a uma submissão a um saber que até pouco tempo era monopólio de um grupo?”, questionou. “Hoje os pacientes conferem no celular o significado do que ouvem do médico. Ocorre um processo de vulgarização dos saberes.”
Uma palavra que precisa ser colocada na discussão, defendeu Almeida Filho, é a palavra “sujeito”, que perdeu a conotação de um “ser submetido”. “A arquitetura do acesso rápido à informação, por meio da internet, permite a contestação dos monopólios do conhecimento”.
Os pacientes em potencial querem ser cada vez mais “educados” para alcançar uma vida saudável. A ideia de educar para mudar comportamentos está hoje na vanguarda do tratamento de doenças, afirmou o palestrante. O problema da educação em saúde, no entanto, é tratar a questão como um manual de métodos e práticas. “O sujeito não é adestrável.”
Nesse contexto, a chamada epidemia de transtornos mentais pode ser atribuída à evolução dos meios de identificação de casos. “Pode-se falar em epidemias de diagnósticos”, afirmou. “Como diria Caetano Veloso, de perto ninguém é normal.”
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o conceito de saúde não é trivial e constitui importante lacuna epistemológica no campo das ciências da saúde. retomar discussões filosóficas, teóricas, metodológicas e praxiológicas sobre saúde, doença e noções correlatas, como vida e qualidade de vida, sofrimento e morte, cuidado e cura. avaliar três momentos na história que marcam inflexões na construção da medicalização na cultura ocidental: iluminismo racionalista (cabanis — início do século xix); pragmatismo científico (flexner — início do século xx); massificação tecnológica (genômica — início do século xxi). gravado em 22 de agosto de 2014.