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O setor energético e o desafio dos 2 oC

Augusto Rodrigues – Diretor de Comunicação e Relações Institucionais da CPFL Energia

O setor pode ajudar a conter a elevação da temperatura global e ainda gerar oportunidades, mas é preciso se apressar.

A indissociabilidade entre mudança do clima e energia é evidente. O setor de energia, segundo a International Energy Agency (IEA), é responsável por 67% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). O desafio de limitar o aumento da temperatura do planeta em 2 oC requer um profundo repensar da forma como geramos e utilizamos energia. Desafio que, cada vez mais, passa a ser tecnológico, político e comportamental. E o Brasil terá papel fundamental nesse front, dispondo da oportunidade histórica de contribuir, como protagonista, para o combate às emissões de GEE.

Apesar de avanços em determinados países, as emissões globais de GEE relacionadas à energia aumentaram 1,4% em 2012, alcançando um nível nunca antes experimentado. Vale pontuar que, também em 2013, a concentração de CO2 na atmosfera chegou a 400 ppm, algo não conhecido pelo planeta, pelo menos, no período em que a tecnologia de medição permite alcançar.

Segundo a ONU, a população mundial será de 9,3 bilhões de pessoas em 2050. O nosso desafio é garantir o acesso de todas elas à energia elétrica. Façamos alguns cálculos para dimensionar o tamanho de tal desafio. A emissão per capita do brasileiro para produzir e consumir energia é 4 vezes menor que a do europeu, ou 9 vezes menor que a do americano. Na produção de energia elétrica, o setor brasileiro emite 6 vezes menos do que o europeu, 7 vezes menos do que o americano e 11 vezes menos do que o chinês. O Banco Mundial também nos informa que o consumo per capita de energia elétrica nos EUA é mais de cinco vezes o de um brasileiro. Assim, no Brasil, segundo o world Energy Outlook 2013, já em 2030, haverá aumento de “80% no uso de energia, incluindo a obtenção de um acesso universal à eletricidade. O aumento do consumo será impulsionado pelas necessidades de energia de uma classe média em expansão, resultando em um forte crescimento na demanda por combustíveis para transporte e uma duplicação do consumo de eletricidade”.

Podemos concluir, então, que nosso desafio não passa somente pela necessidade de reinventarmos tecnicamente a produção, a distribuição e a utilização de energia, mas por inovações políticas e econômicas que exijam mudanças comportamentais.

A IEA, embora considere provável o cenário de elevação da temperatura do planeta entre 3,6 oC e 5,3 oC até 2100, enfatiza que as tecnologias necessárias estão disponíveis para garantir a meta buscada de 2 oC. Como podemos conciliar o aumento dos níveis de consumo de energia das populações excluídas com os limites planetários e a redução das emissões? O artigo Sustainable Development and Planetary Boundaries, da rede Sustainable Development Solutions Network, da ONU, indica quatro possíveis cenários futuros. São eles:

I. Chutando a escada: os países em desenvolvimento congelariam sua prosperidade, o que favoreceria os países já desenvolvidos;
II. Contratando e convergindo: os países desenvolvidos reduziriam drasticamente o seu nível de consumo até haver uma convergência com o consumo de países em desenvolvimento;
III. Business as usual: falta de consenso interna cional, onde cada país continuará defendendo suas reservas independentemente;
IV. Transformando para a sustentabilidade: os países chegam a um consenso, em busca de uma nova economia.

O desafio está colocado. Mas gostaria de trazer uma reflexão, considerando que as negociações climáticas estão em curso e que, mesmo com um acordo em 2015, focando o quarto cenário descrito acima, as ações serão implementadas somente a partir de 2020. Os países precisam começar a agir imediatamente. E, aqui, o setor energético pode dar uma enorme contribuição. O Redrawing the Energy-Climate Map (IEA), em seu último relatório, descreve como o setor pode contribuir para limitar o aumento da temperatura a 2 oC até 2050 pela:

• adoção de medidas de eficiência energética específicas (49% das reduções de emissões);
• limitação da construção e da utilização das usinas menos eficientes (21%);
• minimização das emissões de metano (Ch4) provenientes da produção de petróleo e gás (18%);
• aceleração da eliminação progressiva dos subsídios ao consumo de combustíveis fósseis (12%).

O relatório ressalta que as políticas propostas consideram apenas tecnologias existentes, já adotadas em alguns países. Essas medidas não retardariam o desenvolvimento de países ou regiões. Esse projeto de redução das emissões incluiria também:

• a massificação da utilização de veículos elétricos;
• a progressiva geração de eletricidade sem a utilização de combustíveis fósseis até 2050, aumentando o uso de energias renováveis. Dentro disso, o uso crescente da geração distribuída, transformando o consumidor de energia em gerador;
• o aumento do sucesso dos programas de eficiência energética, incluindo a implantação, em escala, de redes inteligentes de transmissão e distribuição de energia elétrica;
• a utilização de biocombustíveis para transporte;
• a incorporação de mudanças do uso da terra e a redução de emissões na agricultura.

Esse enorme desafio traz, também, muitas oportunidades. Segundo a IEA, o investimento necessário na geração de energias renováveis, até 2035, é de US$ 1,8 trilhão. Somando a geração renovável às outras tecnologias de baixo carbono, o investimento previsto é de US$ 5 trilhões.

Esse movimento já começou! O crescimento previsto para a geração de energia no Brasil, até 2035, já conta com 45% de renováveis. Precisamos apertar o passo. Os últimos leilões no País têm mostrado a força e a competitividade da energia renovável. No último leilão de energia nova, o 18o., foram contratadas 16 pequenas centrais hidrelétricas, uma hidrelétrica, cinco térmicas à biomassa e 97 usinas eólicas.

A situação de nosso País é muito privilegiada. Possuímos o terceiro maior potencial hidrelétrico do mundo, utilizando apenas 30%. Além disso, o potencial elétrico da biomassa já representa quase 10% do total de geração de energia elétrica e poderia mais do que triplicar. Temos ainda um potencial eólico que pode chegar a 300 Gw, valor maior que todo o nosso parque instalado. E o nosso enorme potencial solar é indiscutível.

Portanto, todos têm a ganhar com a realização de uma agenda da qual participariam os governos, a sociedade civil e as empresas, na implementação de um novo paradigma energético mundial.​