O futuro do passado
A série de recitais e concertos de abril mostra as afinidades profundas entre a música contemporânea e os artistas da música historicamente informada. Serão três espetáculos com alguns dos mais importantes músicos brasileiros especializados em instrumentos de época e abordagens históricas. Esses instrumentistas são convidados a mostrar em palco o parentesco entre a sensibilidade histórica e a música do século XXI. Para isso, executarão peças atuais e históricas, ora trazendo para a atualidade músicas consideradas arcaicas, ora fazendo o percurso contrário: o passeio retroativo da inspiração contemporânea.
Os espetáculos pretendem oferecer momentos de deleite e reflexão sobre a condição da música erudita no século XXI. E comprovar a forte ligação entre os músicos históricos e a contemporaneidade.
O movimento da música histórica – ou música historicamente informada (MHI) como é denominada atualmente – surgiu no início do século XX e ganhou força em meados dos anos 1950. Jovens instrumentistas ligados à vanguarda e às escolas de musicologia se uniram para a um tempo romper com a corrente principal da interpretação erudita – herdeira do romantismo e seu vocabulário expressivo – e restaurar a prática de interpretação interrompida no século XVIII. Tratava-se de mostrar composições esquecidas – pré-românticas – interpretadas com instrumentos de época.
Esse impulso aparentemente fundamentalista ganhou tamanha força ao longo das décadas, que colaborou na renovação dos hábitos de execução A partir dos trabalhos pioneiros do cravista holandês Gustav Leonhardt e o maestro austríaco Nikolaus Harnoncourt, novas gerações de instrumentistas históricos se sucederam, numa tradição que já chega a mais de 50 anos.
No Brasil, a música histórica chegou nos anos 60, com os trabalhos dos maestros Aylton Escobar (Cantigas de Santa Maria, de Alfonso X), Georges Olivier Toni (Recitativo e Aria, do compositor baiano Caetano de Melo), Roberto de Regina (que divulgou o cravo pelo país, em instrumentos baseados em modelos históricos que ele próprio construiu) e o grupo paulista Musikantiga, liderado pelo cravista e musicólogo Paulo Herculano e pelo flautista Ricardo Kanji. O Festival de Música Colonial Brasileira de Juiz de Fora, a partir dos anos 80, ajudou a consolidar os novos talentos. Hoje, o país conta com músicos como o violinista Luis Otavio Santos e os cravistas Rosana Lanzelotte, Marcelo Fagerlande e Nicolau de Figueiredo.
Cada um dos talentos convidados apresenta uma faceta diferente da música histórica. O violinista Luis Otavio Santos e seu grupo Os Músicos de Capella, com instrumentos de época, aborda os mestres setecentistas e, ao mesmo tempo, mostra a nostalgia dos músicos do século XX pelo passado remoto. Rosana Lanzelotte põe seu cravo a serviço de uma jam session em companhia do percussionista Caíto Marcondes e do violonista Luís Leite. O popular, o erudito e o histórico são conjurados em um concerto. Os flautistas Ricardo Kanji e Cesar Villavicencio viajam da eletrônica ao passado medieval, para evidenciar estruturas profundas que ligam o código musical através dos séculos. Em ação, o passado no futuro – e vice-versa…