Mahler: música e política
Por meio da leitura dramática de uma peça teatral que tem um compositor como personagem central, saltam à vista as relações entre música e política, os dilemas morais, emocionais, éticos e estéticos do artista em situações-limite, ou seja, face a realidades políticas e sociais radicais, que exigem tomadas de posições ética ou politicamente discutíveis.
“A Conversão de Mahler” é uma de várias peças teatrais com temática musical do premiado dramaturgo inglês Ronald Harwood, de 73 anos (nascido na África do Sul mas com carreira inteiramente realizada na Inglaterra). As demais são “Taking Sides”, de 1995, que retrata um militar norte-americano, do Comando Aliado, num interrogatório no Tribunal de Desnazificação, em que o acusado é o maestro Wilhelm Furtwängler, titular da Filarmônica de Berlim durante o período nazista. Ele foi acusado de adesão ao nazismo; “Collaboration”, de 2001, que mostra a parceria entre o compositor Richard Strauss e o escritor Stefan Zweig nos anos 30, na criação de uma ópera (“A Mulher sem Sombra”). Mas Zweig era judeu e Strauss o presidente da Cãmara de Música do III Reich. É possível separar a política das questões artísticas?
“A Conversão de Mahler” estreou em 2001 em Londres. Debate a angústia e a indecisão do compositor Gustav Mahler, judeu, em ter que se converter ao catolicismo para poder assumir a direção da Ópera de Viena em 1897 (os círculos de poder da capital do então Império Austro-Húngaro eram particularmente antissemitas). A peça inclui uma sessão de análise de Mahler com Freud em 1910, pouco antes de sua morte, devido a problemas relacionados à sua impotência e a sua esposa Alma Mahler, que o traíra pouco antes.
A leitura dramática envolve sete atores e música ao vivo de Mahler em arranjos para um quarteto de piano, trompa, violino e violoncelo. Os arranjos foram feitos pelo jovem compositor paulista Leonardo Martinelli; a tradução para o português foi feita pelo jornalista João Luiz Sampaio, do jornal “O Estado de S. Paulo”, autor do recente livro “Ópera à Brasileira” (Ed. Algo, 2009); e a direção teatral está a cargo do ator e dramaturgo paulista Oswaldo Mendes.
O maestro convidado Carlos Moreno debaterá com o público, atores e músicos após a leitura dramática. Moreno acaba de lançar um CD pelo selo Algol em que rege “A Canção da Terra”, de Mahler, em arranjo de Arnold Schoenberg para tenor (Fernando Portari), barítono (Rodrigo Esteves) e orquestra de câmara.