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leviatã de hobbes e as lógicas da força e da punição, com yara frateschi (íntegra)

O discurso do ódio expõe nossa limitação moral

A defesa da eliminação do outro e os apelos ao Estado repressor foram abordados pela professora de Ética da Unicamp Yara Frateschi durante o Café Filosófico CPFL sobre “Leviatã de Hobbes e as lógicas da força e da punição”

Há um discurso de ódio presente na sociedade brasileira desde as eleições do ano passado. É uma limitação da nossa democracia, segundo a professora de Ética da Unicamp Yara Frateschi. No Café Filosófico CPFL de sexta-feira, 27/03/15, ela falou sobre “Leviatã de Hobbes e as lógicas da força e da punição” na sequência da série “Os Clássicos e o Cotidiano” (assista à integra no final do texto). Exemplo desse ódio, afirmou, é a paixão manifestada a partir da proposta da redução da maioridade penal. Para ela, o tema é debatido no país a partir do discurso de ódio e da falta de informação. Essa paixão é citada por Thomas Hobbes na obra publicada em 1651.

Segundo o autor, as paixões que nos guiam são o medo e a esperança. O Estado mobiliza esses sentimentos pela lei e pelo controle, já que o indivíduo não é universalista – ou seja, não reconhece o direito do outro e ignora o princípio da reciprocidade. Para Hobbes, precisamos do Estado porque somos incapazes de regular a nós mesmos. Cabe ao Estado – o Leviatã – criar regras e punir. “Se aceito essas regras é porque entendo que essa vida será benéfica para mim. Isso mina a ideia de comunidade”, disse Frateschi. “A relação que estabeleço com outros indivíduos é instrumental. As coisas e as pessoas têm valor atribuído. Nesse aspecto, somos ainda muito hobbesianos.”

De acordo com essa lógica, se alguma coisa nos causa bem-estar, temos desejo por essa coisa ou essa pessoa. A tendência, então, é nos aproximar. O ódio, por sua vez, é o inverso disso tudo. “Se a pessoa parece me prejudicar, sinto aversão. E me afasto. Se esta coisa ou pessoa é um obstáculo à minha preservação, procuro eliminá-la.”

A pluralidade, para Hobbes, é problemática. Por isso ele defende um Estado controlador.  Não contava, porém, que as pessoas fossem capazes de desenvolver as noções de altruísmo e solidariedade. Por isso a ideia do Estado repressor não nos diz mais respeito, defendeu a professora.

“O ódio é uma doença. Vem de fora, nos contamina, e apresentamos esses sintomas nas formas de ação ou discurso. Vemos isso, por exemplo, quando assistimos as agressões contra nordestinos durante a campanha presidencial. Ou na PEC que propõe a redução da maioridade penal.” Segundo ela, argumentos em defesa do aumento das penas ou da redução da maioridade penal são construídos com desinformação e oportunismo midiático, que lucra e ganha audiência explorando a cultura do medo.

Frateschi afirma que a ideia de que é preciso fazer com que as pessoas temam ser encarceradas para não cometer mais crimes é desmentida pela realidade. De 1992 a 2013, o encarceramento cresceu mais de 300% no Brasil, mas os índices de homicídio subiram. Além disso, metade das 56 mil pessoas assassinadas em 2012 eram jovens entre 15 e 29 anos; 77% deles eram negros. Ela apresentou dados da Unicef segundo a qual dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. “Os jovens são as vítimas, não os responsáveis pela violência”, concluiu. Segundo a palestrante, o indivíduo individualista de Hobbes padece de uma “limitação moral profunda” causada pelo princípio do benefício próprio. “Ele não identifica, para além dos seus interesses e utilidades, o outro como alguém com uma história de vida.” Por isso, disse, não nos sensibilizamos quando alguém passa cinco anos detido porque roubou um celular: entre ele e o aparelho, preferimos o aparelho.

Quando alguém se opõe a essa lógica, disse Frateschi, as reações são violentas. É o que acontece, por exemplo, quando a mulher encara a violência doméstica como um problema político. Como resposta, a sociedade conservadora se incomoda e a manda voltar ao lar. Essa abordagem política dos direitos das minorias é responsável, em parte, pelo ódio à política manifestado na sociedade contemporânea. O ódio, afirmou, nos impede de ver que o caminho dos direitos das minorias é político.

“O ódio à política é preocupante e negativo. Ele desacredita a ideia de que nossa luta é política e pelas instituições. Esse ódio antecedeu as ditaduras do século 20 e o sistema totalitário da Alemanha”, disse. Segundo ela, o ódio à política pode estar relacionado também ao fato de a política ter empoderado determinados grupos. “A lei apenas não resolve o problema do racismo. É preciso saber que o racismo começa nas escolas. Há menos jovens negros que conseguem terminar os estudos, se comparados aos brancos.” Enquanto houver formas de dominação, como as descritas em Hobbes e constantemente atualizadas em nosso país, concluiu a especialista, a luta não terá fim.

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