foi para isto que lutamos pela liberdade?, com josé alves de freitas neto (íntegra)
“É preciso falar sobre a ditadura. E ter paciência com a democracia”
Por que as pessoas veem a liberdade como uma ameaça a ponto de quererem destruí-la?, perguntou o historiador da Unicamp José Alves de Freitas Neto durante o debate “Foi para isso que lutamos pela liberdade?” do Café Filosófico CPFL.
No encontro, o terceiro da série “Servidões voluntárias e involuntárias”, José Alves discutiu os desafios da democracia em um momento em que muitos vãos ruas exigir a volta do regime militar.
“A liberdade é necessária para as pessoas realizarem o que creem ser as suas potencialidades. Os poderes devem ser sustentados em torno da ideia de liberdade”, disse.
Segundo ele, muitos dos inimigos da liberdade fingem ser seus defensores. Mas estamos dispostos a lutar pela liberdade?, questionou.
De acordo com o historiador, a democracia é criticada não por ela mesma, mas pelo que ela permite acontecer. Já a ditadura derruba a ordem constitucional e viola direitos básicos como a transparência e a liberdade de pensamento. Uma de suas consequências, lembrou, é a herança autoritária. Passados 30 anos desde a reabertura democrática, a sociedade hoje não parece se incomodar com os linchamentos ocorridos em pleno 2015 ou com as manifestações recorrentes de xenofobia.
Essa sanha punitiva, que remonta ao período em que a lei era violada em nome de uma suposta ordem, é decorrente da decepção com o sistema político atual. “Apostamos muito na Anistia, nas Diretas, na Constituinte, no Impeachment, no Plano Real…o Brasil hoje não se reconhece nem em seus clichês.”
O autoritarismo, porém, afirmou, é a ampliação dos problemas. “A democracia, por mais lenta, ainda é o melhor caminho.”
“Os otimistas dizem que faltam livros de História aos defensores da ditadura. Mas a questão é mais complexa. Não basta aula de História. É preciso colocar o dedo na ferida e combater quem defende o autoritarismo como solução. Quem defende a ditadura não o faz por ignorância. Mas por convicção.”
Segundo ele, nos últimos anos, vimos a crise econômica e retrocessos. “A mesma democracia é agora vista, por muitos, como ameaça. A paralisia governamental tem sido motivo de incógnita do período que estamos vivendo. E uma multidão ameaçada é uma brecha para oportunistas que não prezam a democracia”, disse José Alves.
Ele afirmou que a incapacidade do Estado para satisfazer a demanda por serviço público irrita a classe média. Tudo isso em um momento em que a maior liberdade de expressão, representada pelas novas tecnologias, tem produzido cerceamento de diferenças.
“Somos chamados a dar opinião sobre tudo. É a falsa sensação de participação e acesso à informação. É pura distração”, disse. E prosseguiu: “Hoje vivemos um paradoxo: Todos falam, ninguém escuta. Muitos escrevem e poucos leem. Temos hoje o anonimato e a condição virtual de produzir covardia. Vemos mentiras usadas nas redes sociais. Nosso inimigo passou a ser nosso companheiro de trabalho. Vivemos num momento em que a diferença não deve existir”.
De acordo com o historiador, hoje não importa ganhar ou perder, mas sim “destruir a divergência”. “Onde foi que perdemos a possibilidade de conjugar a terceira pessoa do plural?”, questionou.
O problema, segundo ele, não é viver numa sociedade polarizada, mas a ideia de que um lado precisa eliminar o outro. “A internet está potencializando nossas tensões. Ela propaga todo tipo de coisa. Até delírios coletivos.”
E por que o passado autoritário não pode sair de nós?, perguntou, Porque a transição democrática prometeu muita coisa. Não cumpriu. Mas uma coisa não fez: não enfrentou o legado da ditadura.
“O desafio de construir a liberdade implica no desafio de pensar politicamente. A democracia passa pelo contato direto e humano. O diálogo é poderoso porque não tem espaço para respostas prévias. Não basta sentar e entrar na internet. É preciso falar sobre a ditadura. E ter paciência com a democracia”, disse.
“É preciso defender a liberdade porque só nos reconhecemos como humanos quando somos livres. A liberdade tem uma dimensão política e ética mais ampla”, completou.
Para o historiador, um Estado democrático só será democrático se garantir os direitos das minorias. “O Estado não pode colocar direitos da minoria em risco. A maioria pode votar em plebiscito por convicção religiosa. Não dá para imaginar a classe política como vilãs e os eleitores como a parte ‘trollada’. Fazemos parte desse jogo.”
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