cafe filosófico

Erika Cunha e o Núcleo Vazantes

por Fernanda Bellei

Com uma estética extremamente contemporânea, acompanhada por trilha sonora composta de músicas populares, o espetáculo Vazantes rompe com o lugar comum e apresenta um novo olhar sobre a cultura popular. A atriz Erika Cunha fala sobre o processo de produção do espetáculo, realizado na CPFL Cultura em Campinas, em novembro de 2007.

Qual é a estética contemporânea a qual vocês se referem ao definir a obra Vazantes?
O espetáculo se propõe, à medida em que se apresenta ao espectador, não separar momentos distintos de dança ou teatro, mas trabalhar numa limiaridade, fundindo estas duas linguagens numa narrativa fundamentalmente corporal, o que pode ser entendido, nos dias atuais, como o que há de mais contemporâneo na arte cênica.

Vocês afirmam que encontraram nos mestres populares a inteireza que necessitavam como artistas. O que significa esta inteireza para vocês?
Uma vez tive a oportunidade de ver Dona Domingas, um de nossos "mestres populares", realizando uma simples tarefa de lavar roupa com um uso total do corpo: ela rodava a roupa sobre a cabeça e, aproveitando este impulso, a batia no chão de pedra, reverberando esta ação por toda a coluna, gerando um pulso que dava início ao proximo movimento, retomando o ciclo. Por serem trabalhadores "da terra", estas pessoas fazem no cotidiano o que nós, artistas, buscamos fazer em cena: utilizam o corpo de forma completa e orgânica para realizar qualquer ação, por mais simples que pareça.

Por que vocês definem o espetáculo como não linear se há um repertório subentendido?
As ações e situações mostradas em cena não são decorrência direta da anterior. Elas carregam significados individualmente, porém a construção de um "sentido total do espetáculo" é uma tarefa de cada espectador.

Como foi o processo de criação? Vocês definiram alguma metodologia de pesquisa ou utilizaram metodologias tradicionais? Quais?
O trabalho teve início com uma pesquisa de campo realizada em São Gonçalo Beira-Rio, em Cuiabá, Mato Grosso, onde, mais que observar, o objetivo foi cohabitar com a comunidade. Técnicas de Dança Brasileira, objeto de pesquisa da diretora há 20 anos, entraram no processo tanto como suporte para a preparação corporal dos intérpretes quanto para alavancar emoções e sensações para a criação. O que cada um trazia do que ficou impresso em seu corpo e sua memória era vivificado e transformado. Unindo esses movimentos à identificação com a realidade vivenciada e às sensações que ficaram inscritas em cada intérprete, surgiam aos poucos as figuras que dariam origem aos dois personagens do espetáculo.

Como se deu o processo de composição da trilha sonora? Quais foram as influências?
A música, assim como toda a criação, se deu a partir da experiência de campo e, depois, da convivência e dos inúmeros ensaios com os atores e diretora. A trilha “brotou” diretamente do corpo dos atores, realimentando o movimento do qual ela provinha, enquanto os atores compunham-na junto de sua expressão. E esta é a principal característica da música deste espetáculo: ela não foi criada a partir de um movimento pronto, mas junto com ele no mesmo momento em que este se criou, como uma epifania mútua, uma “co-descoberta”. Este, definitivamente, foi um trabalho em conjunto, e talvez por isso haja tanta coerência e reciprocidade entre som e movimento.