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enfrentar a dor: diferentes modos ontem e hoje, com noemi araújo e regina herzog (versão tv cultura)

“Nunca estamos tão mal protegidos do sofrimento como quando amamos”

No Café Filosófico CPFL as psicanalistas Noemi Araújo e Regina Herzog dizem que a dor tem origem no medo do desamparo; se antes sofríamos diante das proibições, hoje sofremos pela necessidade de agir, vencer e ter sucesso

O sujeito de ontem sofria porque não podia agir. O sujeito de hoje sofre porque deve agir. No programa “Enfrentar a dor: diferentes modos ontem e hoje”, do Café Filosófico CPFL, as psicanalistas Noemi Araújo e Regina Herzog analisaram a transformação do sofrimento ao longo do último século. O programa foi ao ar no domingo, 20/07, na TV Cultura.

“Dor é um rompimento. É como um ferro de passar que rompe a epiderme, o nosso dispositivo de proteção. A dor física é mais fácil de entender. A dor psíquica é algo que desorganiza o aparelho psíquico”, disse Herzog.

Ela definiu a dor psíquica como uma “dor de amor”, causada por um equilíbrio entre o eu e o mundo. “É o amor pelo outro ou o amor por si que leva ao sofrimento. Uma separação implica numa comoção, uma descarga, e diante disso o eu vai tentar se defender”, afirmou. “A dor é um sinal para o eu. As respostas são os modos de processar a dor. Alguns são mais criativos, outros nem tanto.”

Para Noemi Araújo, cabe ao indivíduo encontrar um caminho para elaborar suas respostas diante do sofrimento. “A obra (de arte) pode servir para ser olhado e ser ouvido, e é uma obra de delapidação dos traumas e inquietações”, disse.

A psicanalista buscou em Freud a definição de dor como a dimensão relacionada a um desamparo, tanto no sentido individual e da natureza. “Entramos no mundo expostos ao desamparo já na separação da mãe. E também quando temos de lidar com a morte, com as catástrofes. Elas são inevitáveis, e não vamos viver livre delas.”

Para receber o acolhimento, afirmou Araújo, o indivíduo é levado a entrar no mundo da linguagem e a estreitar os laços sociais. “O processo civilizatório exige renúncias da ordem da vida sexual, da agressividade, dos impulsos destrutivos antissociais e anti culturais”, disse.

Herzog completou: “os seres humanos vivem em situação de desamparo. Precisam do outro para se satisfazer. Freud dizia que ‘nunca estamos tão mal protegidos do sofrimento como quando amamos’”.

A psicanalista lembrou que hoje os indivíduos convivem com menos proibições. “Os interditos não são tão rígidos. Pelo contrário, hoje o sujeito é incitado a desempenhar um papel a qualquer preço. A ter iniciativa. Tudo é permitido, desde que ele consiga.”

Em lugar da culpa baseada no pecado, disse ela, o que encontramos na clínica hoje é a queixa relacionada à vergonha. “O Facebook mostra que hoje você não se esconde mais, não tem mais segredo. Você é compelido a se mostrar, a ter uma performance. É essa moldura que faz com que o sujeito se sinta envergonhado.”

Este mundo é propício também para a depressão, descrita por ela como uma paralisia diante da pressão para ter sucesso e vencer na vida. “A pessoa depressiva não tem vontade de nada. Então ela paralisa. Ela inibe a ação. Sofre não por ter feito mal a alguém, mas pelo que se tornou: um incapaz. O deprimido não é o sujeito que agiu mal, é o que não conseguiu agir.”

Esse sofrimento, quando não falado, transforma-se também em compulsão – por consumo, por drogas, por bebidas, por comidas. “O que é a compulsão? É a contraface da depressão. Enquanto uma paralisa a ação, a outra é a ação imediata destituída de pensamentos. Não se sabe porque o sujeito lava a mão ou fecha a porta cem vezes. Ele simplesmente faz.”

enfrentar a dor: diferentes modos ontem e hoje, com noemi araújo e regina herzog from instituto cpfl | cultura on Vimeo.

gravado em maio de 2014.