Café Filosófico

é preciso ser feliz – o sofrimento na nossa cultura do sucesso, com maria lívia moretto (íntegra)

é preciso ser feliz – o sofrimento na nossa cultura do sucesso                                                                       

com maria lívia moretto, psicanalista e professora da usp

Na cultura atual, se você ainda não acessou a ideia de “felicidade”, é considerado uma pessoa problemática. Muitas vezes, porém, acessar um objetivo é também motivo para a angústia e a depressão. Como explicar esta aparente contradição?

No Café Filosófico CPFL de sexta-feira, 22/05, a psicanalista e professora da USP Maria Livia Tourinho Moretto falou sobre “O sofrimento na nossa cultura do sucesso”. O encontro é parte da série “Mal-estar, sofrimento e sintoma”, que tem a curadoria do psicanalista Christian Dunker.

Segundo a palestrante, a ideia contemporânea de felicidade foi deslocada do campo dos sonhos para o campo dos ideais. Não sem consequências. “Nossa cultura substituiu ‘o ideal é que você seja’ por ‘você TEM de ser’. ‘Tem’ de ter autonomia. ‘Tem’ de ter autenticidade.”

O problema, segundo ela, é quando a ideia de “autonomia” se confunde com desamparo – e a impossibilidade de alcançar determinado objetivo (como a felicidade) é confundida com impotência. Isso vale tanto para crianças, criadas em um ambiente no qual devem obter independência desde cedo, como para adultos e idosos – que sofrem por se considerarem incapacitados em um mundo que valoriza a produção e a autonomia. A ideia de que ‘você tem de se virar sozinho’ supõe a ideia de ‘o que acontece com você não me interessa’”, disse.

Nessa ordem de imperativos pela autonomia, de acordo com a psicanalista, as pessoas têm muita dificuldade de decidir o que elas querem. E se submetem aos imperativos para ser feliz.

Esse deslocamento é também motivo de sofrimento devido ao distanciamento em relação ao outro e à perda da alteridade. “Autonomia é a condição psíquica de se diferenciar do outro e decidir sozinho. Não de se distanciar do outro.”

Não por acaso, de acordo com Moretto, as pessoas têm hoje vergonha de adoecer – algo confundido com “fracasso”. “As pessoas confundem autonomia com solidão. E isso precisa ser debatido. O sofrimento não pode ser evitado, mas acolhido e tratado. Mas um dos imperativos é dizer: ‘Sou uma pessoa de sucesso. Não sofro’.”

Outra narrativa comum de sofrimento, segundo Moretto, é a apresentação da angústia sem questionamentos. “É a pessoa que chega à clínica e já diz o que ela tem. Ela repete o que ela escuta sobre si mesma. É um sofrimento sem sujeito. A pessoa diz que tem depressão ou apatia. É uma demanda que não traz consigo nada que se relacione com a dor da perda.”

Para a especialista, toda expressão de sofrimento traz em si uma demanda de reconhecimento, mas entre o desejo de reconhecimento e o reconhecimento do desejo, é preciso examinar de modo crítico a relação do sujeito com os ideias aceitos na cultura contemporânea sobre sucesso, beleza, autonomia e autenticidade.

 

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