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DIÁLOGOS | Ser politicamente contra a política | Com Marco Aurélio Nogueira

por Fernanda Bellei

"A política institucionalizada está nos degradando profundamente", dispara o cientista político Marco Aurélio Nogueira, chamando a atenção para a urgência de uma transformação política. "Vivemos nos últimos anos um tipo de sociedade onde o mercado não tem freios". 

Em palestra realizada em setembro de 2007, Marco Aurélio fala sobre a modernidade tardia e de alta reflexividade, onde os indivíduos se reúnem para tentar encontrar novas certezas e tomar decisões que os ajudem a escrever suas próprias biografias. Esgotam-se os modelos, crescem dúvidas e dilemas, as agendas permanecem abertas, sofisticam-se as interações discursivas. Identidades e consensos são assim problematizados, a ambivalência chega ao centro do palco. As velhas formas, instituições e certezas da política são desafiadas e postas a prova, mas tudo, e ao mesmo tempo, se repõe e se recria. A política já não pode mais ser a mesma, mas não tem como ser sumariamente desalojada do âmago da vida social.

Qual é a outra política existente além da institucionalizada?
A política-vida pode ser tomada como a melhor alternativa, entendendo-se por isso a preocupação de compor uma agenda pública aberta para os temas da sociedade e das pessoas. Mas a política-vida não pode se estabilizar e avançar se também não estiver articulada de algum modo com a política institucionalizada. 

O é que “ser politicamente contra a política” e como isso lhe deu a oportunidade de mergulhar no “salvamento” da política?
Bem, se nos colocamos "politicamente" contra a política, estaremos travando uma luta política contra a política, ou seja, não estaremos jogando a política fora, mas recuperando-a e qualificando-a. desta forma, agiremos para "salvar" a política, ou seja, retirá-la do controle exclusivo dos políticos e abrindo-a para a sociedade e os cidadãos.

Porque é impossível existir uma sociedade humana sem o Estado ou sem a autoridade?
Porque as sociedades precisam de coordenação e organização. Precisam também de parâmetros de sentido, valores compartilhados e perspectivas solidárias. O Estado, compreendido como uma instância de articulação, de criação de leis e de garantia de direitos, pode cumprir este papel melhor do que outras instituições ou do que a livre deliberação dos indivíduos. A autoridade é uma necessidade, mas volta-se contra si mesma, em sociedades complexas como as nossas, se derivar para uma forma autoritária. Ou seja, se não for democrática e não estiver sintonizada com a deliberação e as vontades dos indivíduos.

Você afirma que “A idéia de crise da política sugere que ainda não estamos sabendo retirar positividade e explorar os elementos virtuosos que emergem daquilo que se desagrega e se desorganiza”. Quais são esses elementos?
São essencialmente dois: a maior liberdade de ação e a reflexividade, ou seja, a capacidade de processar informações e pensar. Disso deriva a expansão da vontade de participar e, por essa via, a democracia se aprofunda. Indivíduos capazes de pensar com a própria cabeça são indivíduos capazes de fazer escolhas e de interferir no jogo político e social.

Explique brevemente as seis teses que provam que é possível ser politicamente contra a política.
Primeiro, viver em sociedade é adotar a perspectiva da polis, não somente a do poder. Segundo, a político como poder não consegue dar conta de todos os aspectos da vida social e individual, necessitando ser complementada por formas ampliadas de política, a política-vida. Terceiro, os espaços da política-vida (foruns, redes, assembléias) ajudam a ampliar e a dinamizar os espaços da política-poder. Quarto, a articulação entre mundo social, mundo dos indivíduos, mundo da economia e mundo político necessita de esforços políticos para poder se efetivar. Quinto, hoje em dia o problema maior é que o mundo social e o mundo dos indivíduos estão sendo monopolizados e colonizados pela economia e pelos mercados, e não estão conseguindo alimentar o mundo político. A política, nestas condições, fica fora de controle e produz mais problemas que soluções. Sexto, devemos tentar explorar a potência que está armazenada nos espaços da subpolítica (a política-vida) para com isso sintonizar a política-vida com a política-poder.