Consciência e abundância | Com Paulo Roberto da Silva
por Fernanda Bellei
Ode a vida simples – Paulo Roberto da Silva fechou o módulo Desafio da sustentabilidade na CPFL Cultura em Campinas com a palestra “Consciência e abundância”.
O professor universitário e doutor em ciências contábeis Paulo Roberto da Silva poderia ser mais um profissional obcecado com os números, os lucros e o acúmulo de bens, mas sua trajetória o levou para um caminho muito mais simples: ele está envolvido no movimento da simplicidade voluntária, que sugere uma mudança básica na maneira com que vivemos: viver com menos – “menos expectativa, menos perfeccionismo, menos sapatos, menos roupas, menos consumismo, menos desperdício”, explica Paulo.
Paulo garante que viver com menos é ter mais tempo livro para o que realmente interessa. Carioca, ele vive em uma área de proteção ambiental no alto do Rio de Janeiro, onde, rodeado de árvores e animais silvestres, pode admirar a cidade de longe. Além de simplificar sua vida, Paulo ainda contribui com a conservação ambiental: ele mudou seu padrão de consumo e optou por uma alimentação natural. Entre suas propostas para uma mudança no padrão de consumo está a EBA – Economia Baseada na Abundância, que estimula a transformação de nossos comportamentos cotidianos em favor da sustentabilidade socioambiental. A proposta vem de encontro com a economia vigente, que trabalha com a lógica da escassez, isto é, quanto mais escassos os produtos, mais valorizados eles ficam. Na entrevista a seguir, ele explica sua visão e proposta para um novo sistema de produção e consumo.
Como o modelo de nossa economia influencia a qualidade de meio ambiente?
Todo o movimento de nossa economia, independente de ser capitalista ou socialista, está baseada no sistema da escassez, então, implicitamente, ela só vai crescer e gerar os resultados a que se propõe se a escassez aumentar. Mas o principio da natureza é a abundância: você tem água de graça, ar de graça, camada de ozônio de graça, etc. Se você tem um modelo baseado na escassez, ele conflita com o principio da natureza. Na medida em que nós todos nos envolvemos com a teoria econômica, conhecendo ou não a economia, estamos sendo automaticamente adversários da natureza. O modelo econômico nos estimula a destruir a fonte de abundância. Na minha opinião, o conceito de desenvolvimento econômico sustentável é uma contradição, porque para fazer crescer a economia tem que diminuir a abundância.
O conceito de crescimento sustentável da economia segue os mesmo princípios que você considera ideais?
O crescimento da economia esta sendo cada vez mais criticado, pois ele implica em mais consumo dos recursos do meio ambiente, o que gera problemas ambientais e sociais, porque se você diminui os acessos das pessoas aos recursos, eles vão tentar conseguir ter esse acesso por outros meios, mesmo que eles sejam fora da lei. Se você gera conflito entre excluídos e incluídos, você esta gerando um problema social. Portanto, um problema ambiental é também um problema social, é impossível separar essas duas coisas. Agora, é possível levar este conceito de desenvolvimento sustentável não necessariamente para o lado de crescimento econômico. Não precisamos mais crescer, podemos ter um sistema econômico que forneça o necessário para as pessoas não passarem privação.
Como poderíamos conceber um planeta que não cresce, chegar ao ideal de crescimento econômico zero, se a população mundial não pára de crescer?
Eu não tenho a resposta definitiva para isso, mas acho que existem alguns indícios aos quais devemos começar a prestar atenção. Primeiro, acho que nem o crescimento zero deve ser o objetivo, mas sim apenas o crescimento que for necessário ou o decréscimo. Precisamos nos preocupar em atender as necessidades das pessoas, porque uma necessidade sem uma previsão razoável de atendimento é uma fragilidade do tecido social. Se a gente olhar o mundo hoje, veremos muito mais pessoas passando privação, então se formos atender a todas essas pessoas, acaba o planeta. Essa é uma conclusão complicada! Mas sabemos também que 70% dos recursos do planeta atendem apenas a 20% da população. Então o que esta acontecendo? Esses 20% estão consumindo muito mais do que realmente precisam. Acho que estes 70% de recursos podem diminuir muito, eu suspeito que este número alto seja desnecessário para a vida dessas pessoas. Acredito que se este numero for redistribuído, talvez sobrem recursos para atender a essas pessoas que passam privação e talvez até dê para poupar o meio ambiente. Em seu livro Conexões Ocultas, de 2002, o físico Fritjof Capra, ele avalia que o nível de desperdício dos recursos produzidos pela sociedade é de 70%.
O que mais podemos fazer, enquanto sociedade, para chegar a esse ideal?
Eu acho que o ponto básico de todas as sociedades é a questão do poder. Devemos começar por aí. Esta é a grande limitação da proposta que estamos desenvolvendo: como viver o mundo sem concentração de poder? Nos não percebemos com clareza que todos os nossos processos são concentradores de poder. Este é o grande nó que devemos desatar e acho que a saída para isso é o autoconhecimento. Eu suspeito que o autoconhecimento nos leva para a filosofia e a viver uma vida baseada nas virtudes, aí nosso novo modelo econômico vai começar a surgir naturalmente. Por enquanto nossa vista está impregnada com este sistema de concentração de poder.
O que é o EBA e como ele pode ser empregado?
O EBA é a sigla para Economia Baseada na Abundância. Não tenho certeza se podemos, com base nessa proposta, criar um novo modelo para a existência. Acho que ainda estamos em um estágio de transição onde ainda não temos condição de ver como teremos um estilo de vida diferente. Algumas pessoas já estão muito próximas desse modelo: são aquelas que vivem em eco vilas ou que trabalham em organizações solidárias. Elas vivem um estilo de vida que concentra pouco poder e que proporciona auto-suficiência. Quanto mais independentes, menos elas precisam das coisas de fora e, conseqüentemente, contribuem menos para a concentração de poder.
Estamos assistindo a uma crise econômica mundial que está sendo agravada pela diminuição dos níveis de consumo. Governantes de todo o mundo estão incentivando o aumento do consumo para a economia se reerguer. Seria possível driblar esta crise de outra maneira, sem atender a esses apelos?
Estamos vendo que a base de nossa economia está toda corroída e está tentando desesperadamente se manter. Algumas pessoas que têm carro já estão optando por não ter mais. Às vezes me perguntam se é possível mudar o consumismo dos americanos, por exemplo, que é o símbolo do exagero, pois bem, uma pesquisa realizada nos Estados Unidos mostra que 27% da população americana está envolvida com o movimento da simplicidade voluntária. Estamos tendo uma grande oportunidade agora, depois de uma história de insucessos, podemos nos perguntar se queremos viver de modo diferente. Acredito que devemos começar pela menor variável, que somos nós mesmos, e depois influenciar uma mudança maior.
Paulo Roberto da Silva é graduado (UFRJ), mestre (FGV-RJ) e doutor (USP) em contabilidade. Atua como professor na Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Turismo da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ. Participou da publicação livros e artigos técnicos em finanças, mas atualmente se dedica integralmente à divulgação da sua mais recente obra intitulada Consciência e Abundância. Trocou a atividade em empresas pela acadêmica em 1987 para intensificar a vivência do ócio criativo. Sua inata inclinação para a simplicidade voluntária contribuiu sobremaneira para o sucesso dessa experiência.