caos e trauma no mundo contemporâneo, com joel birman (versão tv cultura)
O fascismo nosso de cada dia
No Café Filosófico CPFL sobre “caos e trauma no mundo contemporâneo”, o psicanalista Joel Birman fala da angústia humana diante da destruição produzida na era da ciência e da razão
A angústia é o resultado da quebra da transcendência política e religiosa. Nasce na modernidade a partir da perda de referenciais simbólicos definidores do que era certo e errado. “Não temos mais ninguém que diga pra gente o que é o certo e o que é errado. Somos marcados pela valência da incerteza, e colocados diante de escolhas sem ter na nossa mão um código absoluto que nos defina”, afirmou o psicanalista Joel Birman durante o Café Filosófico CPFL sobre “Caos e trauma no mundo contemporâneo” (assista ao vídeo abaixo).
Na palestra, o professor titular de psicologia da UFRJ definiu a angústia como o sentimento diante da possibilidade do caos e da catástrofe. “Queremos sempre um código anterior para nos antecipar e nos proteger dos perigos possíveis. (…) No mundo em que Deus existia, e dizia o que era certo e errado, a antecipação era perfeita. Hoje essa antecipação é relativa.”
Tal sensação, afirmou o especialista, ganhou dimensão à medida que a ciência e a razão também produziram tragédias, como as guerras mundiais do século XX. Ele citou os estudos de Sigmund Freud sobre os efeitos das neuroses traumáticas produzidas a partir da experiência de caos e catástrofes em que, ao fim da Primeira Guerra, “o sujeito se vê não mais realizando sonhos de desejos, mas uma experiência de impacto em que a vida dele está em perigo”. Dessas neuroses traumáticas, lembrou, surge o que Freud denomina de “pulsão de morte”.
“Essas pulsões, quando voltadas para nós mesmos, produzem experiência de nos fazer sofrer, o masoquismo, e quando as expulsamos de nós, para não nos fazer sofrer, fazemos sofrer o outro, no que chamamos de sadismo. Isso mostra a violência como uma forma de afirmação da vida, que pode levar a uma experiência de destruição do outro.”
A Primeira Guerra Mundial, lembrou Birman, trouxe para Freud a ideia de “falência da mediação do outro” no mundo moderno. A fonte de segurança, baseada na razão, na ciência e nas instituições modernas, quando falha e não oferece proteção, se transforma em uma experiência de destruição. Essa guerra, mostrou Freud, não se dava apenas entre Estados, mas dentro dos espaços sociais. “São os narcisismos das pequenas diferenças, que transformam o diferente em inimigo. Freud prefigura assim um cenário da contemporaneidade”.
“No mundo em que não há mais transcendência simbólica, o mal se banalizou”, disse Birman, citando o conceito de Hannah Arendt. “O fascismo não é só um acontecimento político. É algo que carregamos em nós através da pulsão da destruição”, disse. “Nós nos aprisionamos em um universo de uma racionalidade crescente, e perdemos a nossa sensibilidade, nosso contato com a nossa corporalidade.”
Entre as experiências caóticas do último século, que denotam a falência dessa mediação, ele fez referências aos holocaustos judeu e de Ruanda, a destruição de Hiroshima e Nagasaki, os desastres nucleares de Chernobyl e Fukushima e as guerras no Iraque e no Afeganistão. “O quadro do processo de medicação se complica quando somos expostos a essas grandes e enormes catástrofes. As forças que nos deveriam proteger funcionam como forças de morte. E alimentam a destruição e a crueldade.”
Para Birman, as experiências catastróficas mostram a necessidade de se criar mecanismos que possibilitem o convício entre diferentes a partir de laços de pertencimento e de uma nova ética. “Você pode criar formas de estar junto sem criar, necessariamente, uma massificação dos cidadãos. A Beatice é uma forma de produzir seres submissos, obedientes e conformados. Isso não vai proteger ninguém da angustia, vai produzir seres sem espinha dorsal.”
Para ele, a angústia pode ser usada como matéria-prima de uma afirmação de si para criar laços com o outro. “É preciso criar mediações que nos permita viver juntos. Estamos destinados a viver juntos. Precisamos criar formas de amizade e de hospitalidade. Podemos acolher o outro nas suas diferenças, mesmo se ele for radicalmente diferente de mim.”
caos e trauma no mundo contemporâneo
com joel birman
neste café filosófico o psicanalista joel birman faz uma abordagem histórica da nossa experiência com a angústia. um sentimento que muitos estudiosos alegam ter surgido com a modernidade, quando a razão e a ciência ganharam predomínio no mundo ocidental e o homem passou a questionar os preceitos religiosos e políticos. com freud, a psicanálise também buscou compreender melhor este sentimento e sua relação com o caos e traumas do mundo contemporâneo.
caos e trauma no mundo contemporâneo, com joel birman (versão tv cultura) from instituto cpfl | cultura on Vimeo.