Álbum de família, século 21
Por William Sodré.
.1. A revolta juvenil dos anos ’60 foi contundente ao negar muitas das mais sólidas instituições em vigor até a primeira metade do século 20.
Igreja, Escola, Governo, Empresas e – principalmente – a Família Patriarcal, compuseram o cardápio que foi servido no banquete anarco-crítico da década de 1960.
Uma visão dissolvente a respeito da família patriarcal – registrada pela vanguarda intelectual do período – reiterava críticas ferozes a esta estrutura social, atribuindo-lhe o papel de grande matriz de muitos dos males do mundo.
.2. Com o descenso do Power Flower nos ‘anos de chumbo’ (a década de ‘70) e o ascenso da filosofia ultra-capitalista de Mme. Thatcher e Mister Reagan, a família recuperou algo de seu prestígio, por ser uma das últimas muralhas em defesa do primado da vida.
Assim, cerca de duas décadas depois do vendaval hippie, era outra a perspectiva sobre o tema e Christopher Lasch publicava – em 1991 – o livro ‘Refúgio num mundo sem coração’. E nele afirmava: ‘com a selvageria crescente do mundo dos negócios e da política, o homem procura refúgio na família; entretanto ela aparece gradativamente mais frágil e incapaz de acolher esse sujeito carente’
.3. O cinema do nosso tempo retratou esta trajetória contraditória desenvolvida pela instituição familiar na segunda metade do século passado.
Dialogando com as diversas visões sobre o papel da família na sociedade ocidental, o cinema foi registrando as gigantescas alterações nos padrões de convivência familiar. Selecionamos para a mostra de cinema de Maio – que será exibida pela CPFL Cultura – quatro obras dos cinemas argentino, norte-americano e europeu, com a finalidade de oferecer um painel plural sobre o tema.
Em comum os filmes selecionados tratam da família em contexto de permanente e radical transformação. Vistas em perspectiva, estas obras nos possibilitam pensar o quão corrosivas foram as mudanças ocorridas neste meio século, com o rompimento com certas tradições que pareciam tão fortemente instituídas.
.4. “O momento mais importante da vida de um homem é quando ele descobre que seus filhos são mais importantes do que seus pais” (frase atribuída a François Truffaut). Em ‘As Leis de Família’ (‘Derecho de família’ / Argentina, 2006), há o relato da trajetória existencial de Daniel Hendler (Ariel Perelman), protagonista do filme, que transita da condição de filho para a de marido e pai e, neste processo, altera a visão que tem a respeito do onipresente Arturo Goetz (Bernardo Perelman, seu pai).
.5. Em ‘A Criança’ (L’Enfant / Bélgica-França, 2005), Déborah François (Sonia) tem 18 anos e é mãe recente de uma criança, cujo pai é Jérémie Rénier (Bruno), tão jovem quanto ela. Eles vivem de crimes e de pequenos expedientes, sem condições efetivas de garantir as condições minimamente adequadas à sobrevivência do filho. A estória chega ao clímax quando Bruno vende o próprio filho.
.6. Em ‘Minhas Mães e Meu Pai’ (The Kids Are All Right / EUA, 2010), Annette Bening (Nic) e Julianne Moore (Jules) vivem maritalmente há duas décadas e – via inseminação artificial – têm um casal de filhos adolescentes. Este casamento estável é abalado quando o doador do esperma (Mark Ruffalo – Paul) é trazido pelos filhos para o convívio do núcleo familiar.
.7. ‘Foi Apenas um Sonho’ (Revolutionary Road / EUA, 2008) é uma adaptação de obra literária. Leonardo DiCaprio&Kate Winslet (Frank e April Wheller) – com seus dois filhos – vivem em típico subúrbio pequeno-burguês, nos EUA, em meados dos anos ‘50. Embora materialmente confortável, a vida do casal não vai bem: atriz frustrada, ela agora é uma dona-de-casa; e ele um infeliz corretor de seguros. Ambos buscam alternativas ao precoce engessamento de suas existências.