Exposição

#entrevista | a vida de rodin tem todos os ingredientes de um grande gênio

Valéria Piccoli, curadora da exposição “Figura e Modernidade: Rodin na Pinacoteca de São Paulo”, em cartaz no Instituto CPFL, em Campinas, fala da importância do artista francês que abriu os caminhos para a modernidade

 

Na véspera da abertura da exposição “Figura e Modernidade: Rodin na Pinacoteca de São Paulo”, mais de 3.300 pessoas haviam agendado visitas educativas para conhecer as obras e fotografias do grande artista francês na Galeria de Arte do Instituto CPFL, em Campinas.

Entre os interessados estavam grupos de professoras, do ensino básico a estudantes universitários, além de integrantes de projetos sociais e coletivos interessados.

Segundo Valéria Piccoli, curadora-chefe do museu, os números mostram a importância da mediação cultural para atender um público amplo e com interesses diversos. “A ideia da exposição é possibilitar essa diversidade de conteúdos e de maneiras de se aproximar o público do material exposto”, analisa.

“Uma exposição é uma oportunidade de aprender sobre diferentes maneiras de expressar a arte. Tem gente que só consegue dar respostas para sua relação com a vida transformando a matéria em alguma coisa que pode ser bonita, desafiadora, contestadora. A arte é sobre esse território do simbólico, de como você age sobre o mundo e transforma a matéria na expressão de como você se vê o mundo”, completa.

Resultado de uma parceria entre o Instituto CPFL e a Pinacoteca de São Paulo, a exposição apresenta, de 20 de março a 29 de junho, pela primeira vez ao público do interior paulista, a coleção completa da Pinacoteca referente ao artista francês: um conjunto de 10 esculturas originais e 76 fotografias documentais de sua vida.

As fotografias, de acordo com a curadoria, representam aspectos fundamentais para compreender a obra de Rodin. “Era uma tecnologia muito recente na época. O Rodin usava muito a fotografia no seu processo de concepção, de composição. Em algumas delas a gente vê uma intervenção dele; ele pedia para fotografar, ia lá, rabiscava em cima da escultura para entender a mudança do volume, as sombras, o que precisava acentuar. Isso vazia parte do processo de criação dele.”

Ao mesmo tempo, afirma, à medida que Rodin foi se tornando uma personalidade famosa – “quando faleceu era reconhecido como um grande artistas do mundo, tinha sala no Metropolitan em Nova York só pra ele, era realmente uma personalidade” – muitos fotógrafos pediam para ir ao seu ateliê, caso de Edward Steichen, fotógrafo importante que foi até Paris para conhecer Rodin. “Tanto a foto como instrumento, como o fato de ele ser uma celebridade, fez com que o Rodin fosse muito fotografado.”

Segundo a curadora, Rodin certamente seria um entusiasta de programas como Instagram. “Ia bombar”, brinca ela.

Na exposição, há uma série de fotografias do modelo e da escultura de uma de suas principais obras, A Idade do Bronze. Na época ele foi acusado de ter modelado com as próprias mãos a escultura em cima do modelo, tão anatomicamente fiel ao corpo humano (e suas imperfeições) ela era.

“Ele tirou uma fotografia do modelo e da escultura justamente para provar que eram duas coisas separadas. Ele não moldou em cima de ninguém, e isso serviu como prova. A fotografia sempre fez parte dessa obra.”

A curadora lembra que a exposição é uma oportunidade de conferir o conjunto completo da obra de Rodin adquirida pela Pinacoteca, e que nem sempre fica exposto no museu paulistano. “O recorte tem essa importância. Alguém de São Paulo pode vir aqui para ver obras que não estão acessíveis lá. A Pinacoteca tem 12 mil peças, nem sempre dá pra mostrar tudo.”

Ela lembra que a primeira exposição com obras de Rodin realizada no Brasil, em 1995, na Pinacoteca, representou um marco na relação entre os museus brasileiros e o grande público.

“Foi um período em que a Pinacoteca foi reformulada para ser um espaço de exposição moderno, com as condições que se exigem hoje de um museu moderno. Ate então, os grandes nomes da arte internacional não vinham para cá, e isso mudou graças ao esforço do Emanoel Araújo, na época diretor do museu. Essa exposição foi um paradigma. As pessoas faziam filas que contornavam o prédio. Era uma comoção”, lembra.

E o que explica a força do artista ainda hoje, quase 80 anos após sua morte?

“Eu não diria que ele consagrou uma linguagem, mas ele abriu caminhos. A liberdade com que ele tratava os assuntos, e a gente pode ver isso na exposição, a maneira como ele pegava uma escultura, idealizava um monumento, como ele trabalhava e fazia com que ela virasse outra coisa, abriu as portas de fato para a modernidade, para que a escultura virasse uma especulação formal e abordasse outros assuntos além da estátua comemorativa do herói ou do fato histórico”, diz. “Ele desfez estes limites e permitiu que o século 20 pudesse explorar e desenvolver outros materiais, outras formas.”

Outro ponto que comprova essa força é a própria biografia de Rodin. “A vida dele é esse enredo do arista do século 19: nascido humilde, que estudou pelo próprio esforço, com um talento precoce, que foi negado a vida inteira, não conseguiu entrar na escola nem ser aceito no salão, mas foi criando e abrindo o próprio caminho e quando morreu era uma celebridade. A vida dele tem todos esses ingredientes de um grande gênio”, completa.