Crise do capital e perspectivas do socialismo
A crise atual é um desafio para o pensamento marxista. Depois do fim do chamado campo socialista, do triunfo da hegemonia imperial norte-americana, se deu uma vitória ideológica concomitante do pensamento conservador, sob sua expressão liberal. Chegou-se a argumentar que o horizonte histórico se daria no marco da democracia liberal e da economia capitalista de mercado – na interpretação, entre outros, de Francis Fukuyama.
A crise atual se dá no marco de um ciclo longo recessivo – iniciado nos anos 1970 – mas esta é uma crise particular, pela sua dimensão e força. Iniciada como complicação financeira nos Estados Unidos, se alastrou para o setor produtivo, tornando-se uma recessão geral, que afetou a globalidade do sistema capitalista.
De acordo com o pensador húngaro István Mészáros, o modo de desdobramento da crise estrutural, “em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, poderia ser considerado furtivo, desde que acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando perderem sua energia a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na ‘administração da crise’, e no ‘deslocamento’ mais ou menos temporário das crescentes contradições” .
No plano econômico, o ciclo curto expansivo do capitalismo – inspirado pela economia norte-americana – levou à conceituação da existência de uma “nova economia”, que já não comportaria os ciclos que haviam caracterizado historicamente o capitalismo. A computação permitiria prever os pontos eventuais de crise, ao mesmo tempo em que a demanda por modelos anuais de computadores – no mesmo estilo do consumo de automóveis – alimentaria um ciclo ininterrupto de expansão do processo de acumulação capitalista.
Essa previsão logo se mostrou ilusória, quando aquele ciclo curto também se esgotou, apontando para a especulação financeira e imobiliária. Um novo ciclo curto ainda resistiu, na década atual, até que, no seu esgotamento, explodiu a crise atual.
A grave crise em curso é estrutural no sentido de que não pode ser superada nem mesmo com os muitos trilhões das operações de resgate dos Estados capitalistas. A multiplicação das chamadas “greves selvagens” na Europa ocidental e outros movimentos organizados, em dezenas de países, demonstram que a resposta popular não será sempre defensiva e não haverá complacência. A crise atual se diferencia das anteriores também quando produz respostas radicais.
O capitalismo exibe, de forma mais clara, suas contradições e limites. Conforme a concepção sobre os ciclos econômicos do capitalismo, formulada por Giovanni Arrighi, todo processo hegemônico desemboca na hegemonia do capital financeiro, tal como ocorre com o ciclo de hegemonia norte-americano. Para Arrighi, nos anos 1970 a discussão se dava sobre como e quando a decadência da hegemonia dos EUA se daria.
No entanto, a passagem da hegemonia keynesiana à hegemonia neoliberal e a consequente financeirização da economia – suposto indício da fase final do capitalismo – coincidiu, ao contrário, com a desaparição do campo socialista e o predomínio exclusivo do capitalismo. O socialismo, que havia entrado na agenda mundial como uma alternativa contemporânea, com a Revolução Russa de 1917, praticamente desapareceu da cena histórica, justamente quando o capitalismo começava a dar indícios do seu esgotamento.
Nessas condições, qual o caráter da crise atual e que lugar ela tem dentro da história do capitalismo? É sustentável a concepção de que a fase de hegemonia financeira seria a fase final do sistema? Nesse caso, o capitalismo seria substituído por que tipo de alternativa?
Como reina solitariamente no mundo como potência hegemônica dirigente do sistema capitalista, os Estados Unidos sobrevivem à crise. Nesse caso, prolongando a financeirização ou readequando o sistema para outra forma de acumulação? O que representa a espetacular ascensão da China: uma forma de capitalismo pós-neoliberalismo?
Em suma, o que vem depois da crise atual? Como será a economia mundial após essa crise? Que tipo de capitalismo pode sair deste momento? Esta crise representa o fim do neoliberalismo? Nesse caso, que modelo o substituiria?
Ou ainda, em que medida a luta anticapitalista – na teoria e na prática – pode avançar a partir da crise atual?
Para além do capital (São Paulo, Boitempo, 2002), cap. 18, seção 2, p. 796