Viviane Mosé: “A escola não pode dar conta dos desafios do mundo. Ela é parte do mundo”
Diante de qualquer desafio imposto à sociedade, uma solução recorrente ouvida em qualquer roda de conversa é que o problema “só é resolvido com educação”. Para Viviane Mosé, poeta, psicóloga, psicanalista, doutora em filosofia e especialista em políticas públicas, essa “saída” é incorreta – ao menos quando se pensa na educação escolar.
“A escola não pode dar conta dos desafios do mundo porque ela é o mundo”, afirmou a especialista no primeiro encontro da série “Movimentos e transformação da educação: tensões e tendências” do Café Filosófico CPFL, realizado na sexta-feira, 10/08.
Segundo Mosé, é inegável que vivemos um momento difícil e tenso em decorrência de uma crise institucional grave, não só no Brasil. “Isso não é privilégio nosso. É um momento civilizatório tenso e bem difícil.”
A escola, afirmou, é um espaço físico com professores que têm em média 35 anos de idade, em conflitos pessoais e humanos, e lidando com crianças e adolescentes, também filhos de pais entre 30 e 40 anos, que trazem ao ambiente estudantil “todas as dificuldades do mundo”.
Mosé defendeu que a escola não é “um espaço idealizado, perfeito, onde vamos solucionar os problemas aqui de fora, como se houvesse um fora”. “Não existe um fora e um dentro.”
Para ela, “existe a escola e o mundo”. O mundo, defendeu, atravessa a escola, onde os desafios podem ser visualizados e discutidos. “Quer entender o mundo? Faça a leitura daquele espaço. Porque todos os nossos desafios estão atravessando aquele espaço.”
Entre os desafios da escola e do mundo atual estão a saúde mental dos professores e, principalmente, o índice de suicídio e automutilação entre crianças e adolescentes no ambiente escolar. “Elas se automutilam na sala de aula. Se cortam e se machucam, sangram.”
Ela apontou também entre os desafios as mudanças das configurações familiares, que já não obedecem ao velho modelo piramidal, em que é preciso uma ordem para tomar conta de todos. “A forma de ordenação se transformou, e isso muda o psiquismo. Todos nós somos produzidos por modelos. A relação com conhecimento e a verdade também mudou. Nossa vida agora é sobreposta. Ela é sucessiva, e não simultânea. Nos relacionamos com tudo ao mesmo tempo agora e tudo isso é muito novo. Saímos de um modelo de pensamento lógico, de humanidade, que acreditava que poderia afastar os afetos e as contradições.”
Outra questão, segundo Mosé, é o uso excessivo de medicalização entre crianças e professores. “Os psicofármacos melhoraram tanto que passaram a ser uma solução, uma busca. Diante dos desafios que as crianças sempre trouxeram para os pais e professores, temos hoje a tecnologia que diz: ‘toma essa medicação e a criança será tranquila’”, completou.
Diante disso, ela reiterou que a escola “não é o lugar em que vamos construir a saída para nada”. “Se temos professores deprimidos, angustiados, isso é típico da sociedade. Quem trabalha em banco também está assim.”
Os professores têm como desafio “pegar a história da humanidade e trazer isso para o cotidiano e para os desafios de hoje”.
Mas o que nós temos com esses meninos e meninas se não vento e metáfora na mão de pessoas vento e metáfora?, perguntou Mosé. “Se a gente tiver consciência dessa fragilidade talvez a gente comece a caminhar.”