em maio, começamos uma nova série: as metamorfoses da banalidade do mal
Curadoria | Flávio Ricardo Vassoler
Como é possível que nossa época de enorme pujança material conviva com níveis cada vez mais alarmantes de desigualdade social e democracias de intensidade cada vez mais baixa? Como é possível que, após as experiências históricas do totalitarismo e do holocausto, nossa época ainda dê vazão ao recrudescimento da personalidade autoritária e a tendências neofascistas? Como é possível que nossa época de profundos avanços e descobertas técnico-científicos conviva com a disseminação em massa da depressão?
A tentativa de responder a tais perguntas nos parece conduzir ao coração histórico-filosófico daquilo que poderíamos chamar de “as metamorfoses da banalidade do mal”, processo que tende a naturalizar a barbárie e a recrudescer a alienação e a resignação em relação ao atual estado de coisas.
Para realizarmos um diagnóstico de época que procure as raízes da sociopatologia de nossa vida cotidiana, dialogaremos com o escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881) e o fundador da Psicanálise, o austríaco Sigmund Freud (1856-1939); com o escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924) e os filósofos alemães Max Horkheimer (1895-
1973) e Theodor Adorno (1903-1969), fundadores da chamada “Teoria Crítica da Sociedade”. A apresentação das palestras a seguir delineará o curso de nossas discussões.
__ __ __
04/05 | sex | 19h
Fiódor Dostoiévski: crimes sem castigo e uma genealogia da banalidade do mal
com Flávio Ricardo Vassoler, crítico literário
Em seu romance Crime e castigo (1866), Dostoiévski faz com o que o jovem intelectual Ródion Raskólnikov leve às últimas consequências a morte histórica de Deus: se Deus não existe, tudo é permitido. Logo, Raskólnikov compreende que a modernidade capitalista, relativista e crescentemente individualista revoga o Não matarás e lhe abre o ímpeto de instrumentalização do outro – uma das facetas da banalidade do mal – como um verdadeiro teste niilista: seria Raskólnikov capaz de cometer um assassinato para afirmar o poderio de seu ego e ocupar o trono vago de Deus?
11/05 | sex | 19h
Sigmund Freud: a sociopatologia da vida cotidiana
com Renato Mezan, filósofo e professor da USP
Em diálogo com as noções freudianas de “mal-estar na civilização” e “pulsão de morte”, discorreremos sobre a maneira pela qual nossa sociedade crescentemente hedonista e utilitária (re)produz mecanismos histórico-psíquicos de irrupção e administração da violência (e da depressão). Assim, compreenderemos por que o título da conhecida obra de Freud transita da psicopatologia à sociopatologia da vida cotidiana.
18/05 | sex | 19h
Franz Kafka: o mal-estar como cultura ontem e hoje
com Márcio Seligmann Silva, professor da Unicamp de teoria literária
Quando lemos Kafka pela chave do recrudescimento das estruturas de poder e vigilância, a noção freudiana de “mal-estar na civilização” acaba sendo revertida em “mal-estar como civilização”. Assim, o autor tcheco nos ajudará a compreender as metamorfoses da banalidade do mal em nossa época.
25/05 | sex | 19h
Max Horkheimer e Theodor Adorno: a intensificação da personalidade autoritária
com Fábio Akcelrud Durão, professor da Unicamp de teoria literária
Em meados da década de 1940, quando os filósofos Max Horkheimer e Theodor Adorno, expoentes da chamada “Teoria Crítica da Sociedade”, realizaram um estudo seminal sobre os contextos e tendências de formação da personalidade autoritária em meio ao exílio nos EUA, as conclusões se mostraram impactantes: a sociedade norte-americana, mais liberal e democrática do que as sociedades europeias – sobretudo quando a comparamos aos regimes totalitários à época –, também (re)produz estruturas propícias à eclosão do fascismo: a ultracompetitividade traz à tona o ódio étnico e a xenofobia mais rematados quando a instabilidade e o desemprego se tornam as bases do cotidiano; a despeito de o profundo desenvolvimento técnico-científico ampliar nossas possibilidades de vida, seu caráter hermético e intangível para os cidadãos tende a nos tornar frágeis diante de mecanismos que nos escapam – daí as tendências de clamor por líderes fortes e autoritários que, supostamente, conseguiriam ordenar o caos da vida social. (A infantilização dos indivíduos que precisam lutar de forma contumaz pela sobrevivência – ainda que a produção de riquezas possibilite a supressão das carências básicas – é mais uma das facetas da banalidade do mal).