A lógica do condomínio, Com Vladimir Safatle (íntegra)
O filósofo Theodor Adorno chamava a atenção para a nossa incapacidade de lidar com o sentimento trágico. Para ele, assumir a dimensão da tragédia exigia coragem, não medo.
Essa relação deve ser entendida a partir da ideia de que o medo e o desamparo são afetos políticos centrais da contemporaneidade, afirmou o filósofo Vladimir Safatle, colunista da Folha de S.Paulo e da CartaCapital, durante o Café Filosófico CPFL sobre “A lógica do condomínio”. O debate encerrou o módulo de debates sobre “Mal-estar, sofrimento e sintoma”, que teve a curadoria do psicanalista da USP Christian Dunker.
De acordo com Safatle, não é por acaso que a distopia de Godard no filme “Alphaville” tenha aparecido no nome do 1º condomínio do Brasil. “Nosso problema não é com a violência, mas com a construção da violência descrita de uma forma tal que ela não diz nada. Depois que você vê a mesma cena (de violência) 50 vezes, você não sente nada diante dela.”
O sofrimento, por sua vez, é o impulso fundamental da crítica. Ele nos mostra que algo não se enquadrou na narrativa do que precisamos ser ou contra quem nos defender. “Precisamos confiar mais no nosso desconforto. Ele pode nos levar a lugares que não imaginamos.”
A legitimação do Estado como administrador desse afeto (o medo), segundo o filósofo, vem da capacidade do próprio Estado de lembrar os cidadãos dos riscos de sair do seu circulo de proteção. Nesse sentido, coerções e arbítrios são aceitos a partir da ideia de que somos cidadãos e precisamos ser protegidos.
Essa ideia de medo e proteção é construída em um contexto em que somos ensinados a ser empresários de nós mesmos. “Investimos em nós mesmos. Somos treinados para calcular benefícios. Não pagamos academia. Investimentos. A ideia de que você é responsável pelo seu sucesso ou fracasso, e mais ninguém, leva o sujeito a agir apenas por si. Nosso medo é sermos incapazes de organizar a vida numa lógica empresarial.”
Para Safatle, a vida social é sempre uma esfera contínua de riscos. Então, por que nossa percepção desses riscos aumentou de forma brutal?, questionou. “Por que precisamos repetir as mesmas narrativas e limitar os afetos? Não seria essa a razão da nossa impotência de transformação social? Como não ter medo dentro dessas modalidades de segurança?”
Nesse contexto, disse, as pessoas votam de acordo com a expectativa de um mal que pode ocorrer. Com um adendo: não há medo sem esperança nem esperança sem medo.
De acordo com Safatle, projetos como o do Estatuto da Família é protofilosófico. A proposta determina que as famílias estão em processo de desconstrução. Mas quem deu ao Estado a autorização de definir o que é família?, perguntou. “É tirânica e totalitária a ideia de que o Estado precisa impor uma ideia unitária de família. De onde vem a ideia de que estamos vivendo numa degradação porque a família está sendo destruída?”
Ele citou a manifestação de comportamentos antissociais e neuroses oriundas de famílias consideradas “estruturadas” para criticar o argumentou.
Ele criticou também propostas como o da redução da maioridade penal. “O número de crimes cometidos por adolescentes é baixo. (…) O projeto de redução da maioridade é desconectado das reais causas de violência no Brasil. Como crimes contra mulher.”
A lógica do condomínio, Com Vladimir Safatle from cpfl cultura on Vimeo.