Pensar e agir
Também na política de clima, são pessoas de carne e osso – e não máquinas amorais – que decidem o destino de muitas outras pessoas
Caco de Paula
Seja marginal, seja herói”. A frase-manifesto de Hélio Oiticica me veio à mente ao desembarcamos em Varsóvia para acompanhar a conferência da ONU sobre mudanças climáticas. A bela capital polonesa reconstruída sobre os escombros do terror nazista, é ela própria, uma evocação do heroísmo como último recurso em tempos radicais, sombrios, incertos. Talvez não haja personagem mais heroica em toda a Segunda Guerra quanto Irena Sendler, enfermeira que arris – cou sua vida sistematicamente para retirar clandestinamente mais de 2,5 mil crianças do gueto de Varsóvia e, assim, salvá-las da morte certa. A quem quiser saber mais recomen – da-se o livro de Anna Mieszkowska, A história de Irena Sendler – A mãe das crianças do holocausto, recém – -lançado em português pela Palas Athena. Sua história é um sopro de esperança ao reafirmar a capaci – dade humana de agir, enxergando além de seu próprio benefício. Irena não era parente de nenhuma das pessoas que salvou. Agiu motivada pela sua consciência e pelo exemplo do pai, médico que viveu e morreu por seu idealismo.
E isso não é pouco quando se sabe que na mesma Polônia mais de 1,5 milhão de pessoas foram mortas nos campos de extermínio graças a muita omissão e à “efi – ciência” desumana que fazia com que trens abarrotados de pessoas chegassem nos horários previs – tos, garantindo o funcionamento de um sistema capaz de eliminar 2 mil pessoas por dia. A escritora Hannah Arendt ensinou ao mundo que o mal é muito mais banal do que parece, ao mostrar que um dos responsáveis pela logística dessa operação, Adolf Eichmann, não era um monstro caricato, mas um infa – me burocrata que se justificava por estar “cumprindo ordens”.
O que tem a história do heroísmo de Irena e da nefasta “eficiência” de Eichmann a ver com a reunião de países, empresas, organizações, para discutir os acordos do clima?
Tudo. Uma saída para uma eco – nomia de baixo carbono não se dá com a submissão fria a um plano de eficiência. Trata-se também de uma questão moral. A solução exi – ge reflexão, pensamento autônomo, livre-arbítrio. O espectro de possibi – lidades de escolhas do ser humano vai de Irena a Eichmann. Os atos de Irena nos dizem que o homem é capaz de sair do seu conforto e se arriscar por um bem maior. Os de Eichmann nos mostram que o ho – mem também é capaz de ir na dire – ção contrária. A ascensão do nazis – mo não significou imediatamente a criação de uma consciência de ris – cos para a humanidade. Mas uma hora essa percepção chegou. Para infelicidade de muitos, chegou tar – de. Algo assim acontece agora tam – bém no front do clima. Já passou da hora de as pessoas que falam em nome de governos e de empresas pararem de agir como se o grande desafio do trem da história fosse sua eficiência e pontualidade, e não o seu destino.