debate sobre comissão nacional da verdade, com pedro dallari e maria rita kehl (vídeo na íntegra)
“Por que investigar a ditadura? Porque o padrão de violações de direitos humanos persiste”
A um mês da divulgação do relatório final da Comissão da Verdade, dois integrantes do colegiado, o advogado Pedro Dallari e a psicanalista Maria Rita Kehl, fizeram, durante o Café Filosófico CPFL Especial de sexta-feira, 7/11, um balanço sobre os dois anos de investigações das graves violações de direitos humanos promovidas pelas ditaduras militar e do Estado Novo.
Foram, ao todo, mais de mil depoimentos prestados à comissão. O número de mortos identificados pelo regime e desaparecidos passa de 421 – sem contar as vítimas do processo de interiorização promovido pelos regimes. “Os índios que estavam no caminho foram exterminados pela ditadura, como animais. Não havia frentes de atração da Funai. O governo não se interessava. Queria apenas levar as obras ao interior. O índio era empurrado pra outros lugares. O que não se configura genocídio, que acontecia, se configura etnocídio”, disse Maria Rita Kehl.
“Muitos questionam por que investigamos esse período de nossa História. Investigamos porque o padrão de violações de direitos humanos persiste nos dias atuais. O caso Amarildo é o caso Rubens Paiva”, afirmou Dallari, que presidente a CNV. Era uma referência ao desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza em uma favela do Rio de Janeiro, em 2013, após ser abordado e torturado por militares – semelhante ao que aconteceu com o deputado oposicionista do regime.
“A violência do Estado brasileiro contra os pobres é uma violência que vem desde a escravidão e segue adiante”, completou a psicanalista. “Por isso é preciso desmilitarizar a polícia”. Ainda de acordo com ela, “nas investigações sobre índios e camponeses, sentimos como a tensão por posse de terras ainda é atual no Brasil”.
Para Dallari, o desafio da comissão é, sobretudo, filosófico: “definir o que é verdade”. “Na transição entre o regime militar e a democracia, houve um acordo claro para que o novo regime não tocasse nos interesses do regime anterior. A ditadura acabou em 85. Nossa tradição é de transição negociada, diferente da África do Sul e da Argentina, que investigaram seu passado.” Ainda segundo o advogado, se as Forças Armadas reconhecessem as violações, não haveria margem para “imbecis” segurarem “plaquinha por aí” com pedido de uma nova intervenção militar, como aconteceu durante os protestos pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Ainda assim, ressaltou, as manifestações pró-ditaduras são pífias no Brasil. “São movimentos caricatos, fantasiados, sem mobilização.”
“Quanto mais a gente entende aquele tempo, mais a gente percebe como hoje é melhor. Mesmo para apurar corrupção. Quem viveu aquela época sabe que o clima era pesado. As pessoas se autocensuravam até nas expressões de alegria”, disse Maria Rita Kehl. “Há uma ilusão de que a ditadura era um governo duro, porém limpinho.”
Segundo ela, muita gente pergunta por que a comissão não se debruçou sobre as ações de grupos armados de esquerda que atuaram no período. “Porque nunca houve censura sobre os atos dos grupos de esquerda. Além disso, quando os crimes são praticados pelo Estado não são crimes comuns. São violação dos direitos humanos”, disse Maria Rita Kehl.
Segundo a psicanalista, esta censura sobre os atos praticados pelo Estado impede até hoje o esclarecimento sobre o destino das vítimas do regime. “No sentindo psicanalítico da palavra, esta é a maior crueldade: não dar pistas sobre onde estão os corpos. É uma crueldade obrigar os familiares a desistir de procurar os filhos. Pois cabe a eles decretar a desistência”, disse. “O propósito das visitas aos centros de tortura era reencontrar a própria história. Isso aliviava as vítimas.”
Segundo os integrantes da CNV, as investigações ajudaram a desvendar episódios obscuros sobre a ditadura, como o atentado ao Riocentro, e a desfazer mitos, como os de que o presidente deposto João Goulart planejava instalar uma ditadura nos moldes cubanos no Brasil.
“Nos impuseram uma ditadura para impedir que virássemos uma ditadura como Cuba. Mas nos impuseram uma ditadura pior”, disse Kehl. Para Dallari, a sociedade deve cobrar o reconhecimento dos crimes por parte das Forças Armadas. “Queremos a reconciliação. E isso só será possível quando as Forças Armadas reconhecerem o que fizeram.”
debate sobre comissão nacional da verdade
com pedro dallari, advogado e presidente da comissão nacional da verdade e maria rita kehl, psicanalista
um mês antes de sair o relatório final, este café filosófico especial será um encontro para debater os trabalhos da comissão nacional da verdade. uma conversa entre pedro dallari, advogado e coordenador da comissão, e maria rita kehl, psicanalista e jornalista. o debate irá abordar os principais temas tratos pela comissão em seus dois anos de trabalho, apurando as graves violações de direitos humanos ocorridos entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, através da análise de depoimentos, documentação secreta, cartas e outros materiais. uma ação fundamental para a história da democracia do país sendo debatida abertamente com o público, depois de um intenso trabalho de investigação por parte da comissão.
gravado em 7 de novembro de 2014.